quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

LEI E GRAÇA - UMA VISÃO REFORMADA- PARTE 5 FINAL

Cristo cumpriu a lei de forma perfeita, sendo obediente até a própria morte. Ele tomou sobre si a maldição da lei. Ele se torna o fundamento da justificação para o eleito.
(b) Ele não só cumpriu a lei perfeitamente, mas também interpretou a lei de forma perfeita, permitindo aos que comprou na cruz, entendê-la de forma mais completa, mais abrangente.
(c) Os que nele crêem agora também podem cumprir os aspectos necessários da lei para uma vida santa. No entanto, esses que por ele são salvos não são mais dependentes da lei para a sua salvação. Por isso há uma diferença clara entre os que chegam ao Reino dos Céus: alguns serão considerados maiores do que             outros.
(d) Cristo, ao cumprir a lei, ab-roga a maldição da lei, mas não a sua magisterialidade.19 A lei continua com o seu papel de ensinar ao ser humano a vontade de Deus. A ab-rogação da maldição da lei é aquilo a que Paulo se refere em textos como Rm 6.14 e Gl 2.16 — estamos debaixo da graça! A lei continua no seu papel de nos           ensinar, pela obra do Espírito Santo. Não somos mais condenados      pela lei nem servos da mesma. A lei, por expressar a vontade de             Deus, se nos torna um prazer.
Johnson resume o material sobre Cristo e a lei no pensamento de Calvino da seguinte forma:
O ponto principal, claro, é que Cristo cumpriu a lei em todos os aspectos, seja no vivê-la, no submeter-se à maldição da lei para satisfazer a sua exigência de punição dos transgressores, ou restabelecendo sobre outras bases a possibilidade de cumprir aquilo que a lei requer. Cristo, em outras palavras, satisfez tudo o que a lei exigiu ou pode vir a exigir da humanidade. A justificação que estava associada à lei agora pertence completamente a Cristo.20 
Portanto, nossa obediência à lei não acontece e não pode acontecer sem Cristo. Tentar viver debaixo da lei, sem Cristo, é submeter-se à escravidão. Porém, obedecer à lei com Cristo é prazer e vida. Também, nesse sentido, Cristo é o fim da lei!
Conclusão
Como fica o aparente paradoxo inicial entre a Lei e Graça? Como corrigir essa visão distorcida? Mais uma vez creio que a visão correta da Confissão de Fé pode nos ajudar a entendê-lo:
Este pacto da graça é freqüentemente apresentado nas Escrituras pelo nome de Testamento, em referência à morte de Cristo, o testador, e à perdurável herança, com tudo o que lhe pertence, legada neste pacto.
Este pacto no tempo da lei não foi administrado como no tempo do Evangelho. Sob a lei foi administrado por promessas, profecias, sacrifícios, pela circuncisão, pelo cordeiro pascoal e outros tipos e ordenanças dadas ao povo judeu, prefigurando, tudo, Cristo que havia de vir; por aquele tempo essas coisas, pela operação do Espírito Santo, foram suficientes e eficazes para instruir e edificar os eleitos na fé do Messias prometido, por quem tinham plena remissão dos pecados e a vida eterna: essa dispensação chama-se o Velho Testamento.
Sob o Evangelho, quando foi manifestado Cristo, a substância, as ordenanças pelas quais este pacto é dispensado são a pregação da palavra e a administração dos sacramentos do batismo e da ceia do Senhor; por estas ordenanças, posto que poucas em número e administradas com maior simplicidade e menor glória externa, o pacto é manifestado com maior plenitude, evidência e eficácia espiritual, a todas as nações, aos judeus bem como aos gentios. É chamado o Novo Testamento. Não há, pois, dois pactos de graça diferentes em substância mas um e o mesmo sob várias dispensações (CFW 7.4–6).
Portanto, ao relacionarmos lei e graça devemos nos lembrar dos diversos aspectos e nuanças que estão envolvidos nesses termos.
Primeiramente, encontramos tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, a graça de Deus. Ele não reserva a sua graça somente para o período do Novo Testamento como muitos pensam. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento podemos ver Deus agindo graciosamente, salvando aqueles que crêem na promessa do Redentor. Assim Abel, Enoque, Noé, Abraão e todos os santos do Antigo Testamento foram remidos. Nenhum deles foi salvo por obediência à Lei, ainda que o Senhor requeresse deles, assim como requer de nós, que sejamos obedientes.
Em segundo lugar, a lei opera para vida ou morte no pacto das obras e somente para a morte no pacto da graça. No pacto das obras, por mérito, o homem poderia continuar vivo e merecer a “árvore da vida.” Portanto, pela obediência o homem viveria. No pacto da graça a lei opera para condenação do homem caído. Porque o homem já está condenado, ele não pode mais cumprir a lei e ela lhe serve para a morte.
Por último, o crente se beneficia da lei estando debaixo da obra redentora de Cristo. O mérito de Cristo, sendo obediente à lei até as últimas conseqüências, compra-nos o benefício da salvação e a graça de conhecermos a vontade de Deus pela sua lei. O único modo de o ser humano ser salvo é submeter-se totalmente àquele que, por mérito, compra-lhe a salvação. Ainda aqui o homem é beneficiado pela Lei. Cristo a cumpre e declara justificado aquele por quem ele morre.
Portanto, o nosso gráfico do início deveria ser modificado para refletir a verdade bíblica sobre a Lei e a Graça de Deus:

Disp. do Antigo Testamento  ------------------        Disp. do Novo Testamento
Obras
Graça – obras como fruto da fé
Lei
Evangelho – obediência à lei como conseqüência
Lei –justifica na
obediência
Lei – condena o não eleito
Usus Theologicus

“Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele” (João 14.21).

Pr. Carlos Borges(CABB)


sábado, 24 de janeiro de 2015

LEI E GRAÇA -UMA VISÃO REFORMADA- PARTE 4

C. O Terceiro Uso da Lei
Esse uso da lei só é válido para os cristãos — ensina-os, a cada dia, qual a vontade de Deus.17 Segundo o texto de Jeremias 31.33, a lei de Deus seria escrita na mente e no coração dos crentes:
Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o SENHOR: Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo.
Se a lei de Deus está impressa na mente e escrita no coração dos crentes, qual a função da lei escrita por Moisés? Ela é realmente necessária? Não basta um coração convertido, amoroso e cheio de compaixão para conhecer a vontade de Deus? A “lei do amor” e a consciência do cristão orientado pelo Espírito Santo não bastam? Não seria suficiente apenas termos a paz de Cristo como árbitro de nossos corações? (Cl 3.15).
Creio que não é bem assim. A lei, assim como no Éden, tem ainda um papel orientador para os cristãos. Embora eles sejam guiados pelo Espírito de Deus, vivendo e dependendo tão somente da sua maravilhosa graça, a “lei é o melhor instrumento mediante o qual melhor aprendam cada dia, e com certeza maior, qual seja a vontade de Deus, a que aspiram, e se lhes firme na compreensão.”18 A paz de Cristo como o árbitro dos corações só é clara quando conhecemos com clareza a vontade de Deus expressa na sua lei. Deus expressa sua vontade na sua lei e essa se torna um prazer para o crente, não uma obrigação. Calvino exemplifica com a figura do servo que de todo o coração se empenha em servir o seu senhor, mas que, para ainda melhor servi-lo, precisa conhecer e entender mais plenamente aquele a quem serve. Assim, o crente, procurando melhor servir ao seu Senhor empenha-se em conhecer a sua vontade revelada de maneira clara e objetiva na lei.
A lei também serve como exortação para o crente. Ainda que convertidos ao Senhor, resta em nós a fraqueza da carne, que pode ser, no linguajar de Calvino, chicoteada pela lei, não permitindo que estejamos à mercê da inércia da mesma.
Vejamos alguns exemplos do relacionamento entre o crente do Antigo Testamento e o terceiro uso a lei. Primeiramente, podemos observar o prazer do salmista ao falar da lei no Salmo 19.7-14:
A lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma; o testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices.
Os preceitos do SENHOR são retos e alegram o coração; o mandamento do SENHOR é puro e ilumina os olhos.
O temor do SENHOR é límpido e permanece para sempre; os juízos do SENHOR são verdadeiros e todos igualmente justos.
São mais desejáveis do que ouro, mais do que muito ouro depurado; e são mais doces do que o mel e o destilar dos favos.
Além disso, por eles se admoesta o teu servo; em os guardar, há grande recompensa.
Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas.
Também da soberba guarda o teu servo, que ela não me domine; então, serei irrepreensível e ficarei livre de grande transgressão.
As palavras dos meus lábios e o meditar do meu coração sejam agradáveis na tua presença, SENHOR, rocha minha e redentor meu.
Que princípio de morte opera nessa lei, segundo o salmista? Nenhum. Para o regenerado, o crente no Senhor, a lei é prazer, é desejável, inculca temor, restaura a alma e lhe dá sabedoria. Isso de alguma forma parece contradizer os ensinos do Novo Testamento. O terceiro uso da lei é claro para o salmista. A lei em si não faz nenhuma dessa coisas, mas para o coração regenerado ela traz prazer e alegria. Na lei o salmista reconhece a sua rocha, o seu redentor, Jesus Cristo: “rocha minha e redentor meu.”
Observe também o Salmo 119.1-20:
Bem-aventurados os irrepreensíveis no seu caminho, que andam na lei do SENHOR.
Bem-aventurados os que guardam as suas prescrições e o buscam de todo o coração; não praticam iniqüidade e andam nos seus caminhos.
Tu ordenaste os teus mandamentos, para que os cumpramos à risca.
Tomara sejam firmes os meus passos, para que eu observe os teus preceitos.
Então, não terei de que me envergonhar, quando considerar em todos os teus mandamentos.
Render-te-ei graças com integridade de coração, quando tiver aprendido os teus retos juízos.
Cumprirei os teus decretos; não me desampares jamais.
De que maneira poderá o jovem guardar puro o seu caminho? Observando-o segundo a tua palavra.
De todo o coração te busquei; não me deixes fugir aos teus mandamentos.
Guardo no coração as tuas palavras, para não pecar contra ti.
Bendito és tu, SENHOR; ensina-me os teus preceitos.
Com os lábios tenho narrado todos os juízos da tua boca.
Mais me regozijo com o caminho dos teus testemunhos do que com todas as riquezas.
Meditarei nos teus preceitos e às tuas veredas terei respeito.
Terei prazer nos teus decretos; não me esquecerei da tua palavra.
Sê generoso para com o teu servo, para que eu viva e observe a tua palavra.
Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei.
Sou peregrino na terra; não escondas de mim os teus mandamentos.
Consumida está a minha alma por desejar, incessantemente, os teus juízos.
De onde vem esse desejo do salmista pelos juízos de Deus? Da lei que opera sobre o homem natural? Certamente que não. Mas para o homem regenerado a lei de Deus se torna objeto de desejo da alma. A lei é maravilhosa para aquele que tem os olhos abertos pelo Senhor. Amar a lei de Deus é ensino claro das Escrituras para os regenerados. Viver na lei de Deus é bênção para o cristão, para o salvo. Ela é o nosso orientador para melhor conhecermos a vontade do nosso Senhor e assim melhor servi-lo. Observe que o viver segundo a lei de Deus é considerado uma bem-aventurança, é como ter fome e sede de justiça.
Pergunto: O que seria do cristão sem a lei para orientá-lo? Como conheceria ele a vontade de Deus? (essa, aliás, é uma das perguntas mais freqüentes entre os crentes no seu dia-a-dia). Ele seria um perdido, buscando respostas em seu próprio coração, na igreja, no consenso eclesiástico, na autoridade de alguém que considerasse superior. Mas o crente tem a lei de Deus, expressando objetivamente qual é o desejo do Criador para a criatura, qual o desejo do Pai para seus filhos.
Mas essa visão da lei não nos traz de volta ao legalismo? Estamos então novamente debaixo da lei? Certamente que não. Para bem entendermos a posição bíblica expressa por Calvino sobre a lei no pacto da graça, precisamos entender também como ele relaciona Cristo e a Lei.
V. Cristo e a Lei
Precisamos entender que Cristo satisfez e cumpriu a lei de forma plena e completa. Ele não veio revogar a lei. Façamos uma breve análise de Mateus 5.17-19:
Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus.
Alguns pontos interessantes são demonstrados por Jesus nessa passagem:
(a) Ele veio cumprir a lei e não revogá-la.
(b) A lei seria cumprida totalmente, em todas as suas exigências e em todas as suas modalidades (moral, cerimonial e civil) enquanto houvesse sentido em fazê-lo.
(c) Aquele que viola a lei pode chegar ao Reino dos Céus! (“aquele que violar...será considerado mínimo no reino dos céus.”) O sermão do monte é um sermão para crentes e o texto pode ser entendido dessa forma.
(d) Aquele que cumpre a lei será considerado grande no Reino dos Céus.

Como entender essas conclusões de Jesus com respeito a si mesmo e à Lei?
(a) Ele veio cumprir a lei e de fato a cumpriu em todas as suas dimensões: cerimonial, civil e moral. Não houve qualquer aspecto da lei para o qual Cristo não pudesse atentar e cumprir.
Pr. Carlos Borges(CABB) 

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

LEI E GRAÇA -UMA VISÃO REFORMADORA- PARTE 3

A Confissão de Fé, no capítulo 18, divide esses aspectos em lei moral, civil e cerimonial. Cada uma tem um papel e um tempo para sua aplicação:
(a) Lei Civil ou Judicial – representa a legislação dada à sociedade israelita ou à nação de Israel; por exemplo, define os crimes contra a propriedade e suas respectivas punições.
(b) Lei Religiosa ou Cerimonial – representa a legislação levítica do Velho Testamento; por exemplo, prescreve os sacrifícios e todo o simbolismo cerimonial.
(c) Lei Moral – representa a vontade de Deus para o ser humano, no que diz respeito ao seu comportamento e aos seus principais deveres.
A. Toda a Lei é aplicável aos nossos dias?
Quanto à aplicação da Lei, devemos exercitar a seguinte compreensão:
(a) A Lei Civil -Tinha a finalidade de regular a sociedade civil do estado teocrático de Israel. Como tal, não é aplicável normativamente em nossa sociedade. Há os que  erram ao querer aplicar parte dela, sendo incoerentes, pois não conseguem aplicá-la, nem impingi-la, em sua totalidade.
(b) A Lei Religiosa -Tinha a finalidade de imprimir nos homens a santidade de Deus e apontar para o Messias, Cristo, fora do qual não há esperança. Como tal, foi cumprida com sua vinda. Há os que erram ao querer aplicar parte da mesma nos dias de hoje e ao mesclá-la com a Lei Civil.
(c) A Lei Moral -Tem a finalidade de deixar bem claro ao homem os seus deveres, revelando suas carências e auxiliando-o a discernir entre o bem e o mal. Como tal, é aplicável em todas as épocas e ocasiões.Há os que  acertam ao considerá-la válida, porém erram ao confundi-la e ao mesclá-la  com as outras duas, prescrevendo um aplicação confusa e desconexa.
Assim sendo, é fundamental que, ao ler o texto bíblico, saibamos identificar a que tipo de lei o texto se refere e conhecer, então, a aplicabilidade dessa lei ao nosso contexto. As leis civis e cerimoniais de Israel não têm um caráter normativo para o povo de Deus em nossos dias, ainda que possam ter outra função como, por exemplo, ensinar-nos princípios gerais sobre a justiça de Deus. Portanto, a lei que permanece “vigente” em nossa e em todas as épocas é a lei moral de Deus. Ela valeu para Adão assim como vale para nós hoje. Isto implica que estamos, hoje, debaixo da lei?

B. Estamos sob a Lei ou sob a Graça de Deus?
Muitas interpretações erradas podem resultar de um entendimento falho das declarações bíblicas de que “não estamos debaixo da lei, e sim da graça” (Romanos 6.14). Se considerarmos que os três aspectos da lei de Deus apresentados acima são distinções bíblicas, podemos afirmar:
(a) Não estamos sob a Lei Civil de Israel, mas sob o período da graça de Deus, em que o evangelho atinge todos os povos, raças, tribos e nações.
(b) Não estamos sob a Lei Religiosa de Israel, que apontava para o Messias, foi cumprida em Cristo, e não nos prende sob nenhuma de suas ordenanças cerimoniais, uma vez que estamos sob a graça do evangelho de Cristo, com acesso direto ao trono, pelo seu Santo Espírito, sem a intermediação dos sacerdotes.
(c) Não estamos sob a condenação da Lei Moral de Deus, se fomos resgatados pelo seu sangue, e nos achamos cobertos por sua graça. Não estamos, portanto, sob a lei, mas sob a graça de Deus, nesses sentidos.
Entretanto...
(a) Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela continua representando a soma de nossos deveres e obrigações para com Deus e para com o nosso semelhante.
(b) Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela, resumida nos Dez Mandamentos, representa o caminho traçado por Deus no processo de santificação efetivado pelo Espírito Santo em nossa pessoa (João 14.15). Nos dois últimos aspectos, a própria Lei Moral de Deus é uma expressão de sua graça, representando a revelação objetiva e proposicional de sua vontade.10 
IV. Os Três usos da Lei11 
Para esclarecer a função da lei de Deus dada por intermédio de Moisés12 nas diferentes épocas da revelação, Calvino usou a seguinte terminologia:
A. O Primeiro Uso da Lei: Usus Theologicus
É a função da lei que revela e torna ainda maior o pecado humano. Segue o ensino de Paulo em Romanos 3.20 e 5.20:
...visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado.
Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa; mas onde abundou o pecado, superabundou a graça.13 
Calvino aponta para esse papel da lei diante da realidade do homem caído. Sendo o pecado abundante, vivemos no tempo em que a lei exerce o “ministério da morte” (2 Co 3.7) e, por conseguinte, “opera a ira” (Rm 4.15).
Cabe aqui uma nota sobre a terminologia dos reformadores (especialmente Calvino) a respeito da lei. A palavra lei é usada em pelo menos dois sentidos distintos, que devem ser entendidos a partir do contexto. Em alguns casos o termo lei é usado como um sinônimo de Antigo Testamento, da mesma forma como Evangelho é usado como um sinônimo de Novo Testamento. Em outros contextos o termo lei é usado como uma categoria especial referente ao seu uso como categoria de comando, um mandamento direto expressando a vontade absoluta de Deus sobre alguma coisa, sem promessa. É dessa forma que Calvino interpreta a lei em 2 Co 3.7, Rm 4.15 e 8.15. Nesse sentido, o binômio que se confirma é o binômio Lei x Evangelho. O mandamento que não traz salvação versus a graça salvadora de Deus. Porém, não podemos esquecer que é o próprio Antigo Testamento que nos apresenta a promessa da salvação de Deus, a sua graça operante sobre os crentes da antiga dispensação.
Em Romanos, Paulo aponta para a perfeição da lei, que, se obedecida, seria suficiente para a salvação. Porém, nossa natureza carnal confronta-se com a perfeição da lei, e essa, dada para a vida, torna-se em ocasião de morte. Uma vez que todos são comprovadamente transgressores da lei, ela cumpre a função de revelar a nossa iniqüidade.
Explicando isso, Calvino comenta:
Ainda que o pacto da graça se ache contido na lei, não obstante Paulo o remove de lá; porque ao contrastar o evangelho com a lei, ele leva em consideração somente o que fora peculiar à lei em si mesma, ou seja, ordenança e proibição, refreando assim os transgressores com a ameaça de morte. Ele atribui à lei suas próprias qualificações, mediante as quais ela difere do evangelho. Contudo, pode-se preferir a seguinte afirmação: “Ele só apresenta a lei no sentido em que Deus, nela, se pactua conosco em relação às obras.14 
B. O Segundo Uso da Lei: Usus Civilis
É a função da lei que restringe o pecado humano, ameaçando com punição as faltas contra ela mesma.15 É certo que essa função da lei não opera nenhuma mudança interior no coração humano, fazendo-o justo ou reto ao obedecê-la. A lei opera assim como um freio, refreando “as mãos de uma ação extrema.”16 Portanto, pela lei somente o homem não se torna submisso, mas é coagido pela força da lei que se faz presente na sociedade comum. É exatamente isto que permite aos seres humanos uma convivência social. Vivemos em sociedade para nos proteger uns dos outros. Com o tempo, o homem pode aprender a viver com tranqüilidade por causa da lei de Deus que nos restringe do mal. O homem é capaz, por causa da lei de Deus, de copiá-la para o seu próprio bem. É até mesmo capaz de criar leis que refletem princípios da justiça de Deus. Calvino menciona o texto de 1 Timóteo 1.9-10 para mostrar essa função da lei:
...tendo em vista que não se promulga lei para quem é justo, mas para transgressores e rebeldes, irreverentes e pecadores, ímpios e profanos, parricidas e matricidas, homicidas, impuros, sodomitas, raptores de homens, mentirosos, perjuros e para tudo quanto se opõe à sã doutrina...

Assim, a lei exerce o papel de coerção para esses transgressores e evita que esse tipo de mal se alastre ainda mais amplamente no seio da sociedade humana. Essa ação inibidora da lei cumpre ainda um outro papel importante no caso dos eleitos não regenerados. Ela serve como um aio, um condutor a Cristo, como diz Paulo em Gálatas 3.24: “...de maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé.” Dessa forma ela serviu à sociedade judia e serve à sociedade humana como um todo. Da mesma forma essa lei serve ao eleito ainda não regenerado. Ele, antes da manifestação da sua salvação, é ajudado pela lei a não cometer atrocidades, não como uma garantia de que não fará algo terrível, mas como uma ajuda, pelo temor da punição.
Pr. Carlos Borges(CABB) 

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

LEI E GRAÇA-UMA VISÃO REFORMADA- PARTE 2

que a graça suplanta a lei. As decisões éticas devem ser tomadas levando em consideração o princípio do amor. Tome-se por exemplo a questão do aborto no caso de estupro. Aprová-lo nessas circunstâncias é um ato de amor baseado no princípio do amor à mãe que foi estuprada. Ou mesmo a questão da pena de morte. Ela não se encaixa no princípio do amor ao próximo e, portanto, não pode ser uma prática cristã. Até mesmo situações como o divórcio passam a ser aceitáveis pelo princípio do amor. A separação de casais passa a ser aceitável pelo mesmo princípio. O mesmo acontece com o homossexualismo. Aceitar o homossexualismo passa a ser um ato de amor, e portanto, essa prática não pode ser considerada como pecado, ou, se assim considerada, é um pecado aceitável.
Mas seria essa a verdadeira conclusão do cristianismo e o verdadeiro ensino das Escrituras sobre a lei? É isso que o estudo das Escrituras e o cristianismo histórico nos ensinam? Nas páginas a seguir avaliaremos o pensamento de Calvino a respeito dessa questão e a aplicação calvinista refletida na Confissão de Fé de Westminster (CFW).
II. O Uso da Lei
Para entendermos bem o uso da lei precisamos entender o que são o pacto das obras e o pacto da graça. Assim, é prudente começarmos por esclarecer o que são esses pactos e qual o conceito de lei que está envolvido na questão.
Pacto das Obras e Pacto da Graçaé a terminologia usada pela Confissão de Fé de Westminsterpara explicar a forma de relacionamento adotada por Deus para com as suas criaturas, os seres humanos. Mais do que isso, essa terminologia reflete o sistema teológico adotado pelos reformados, conhecido como teologia federal.De forma bem resumida, podemos dizer que o pacto das obras é o pacto operante antes da queda e do pecado. Adão e Eva viveram originalmente debaixo desse pacto e sua vida dependia da sua obediência à lei dada por Deus de forma direta em Gênesis 2.17 — não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal.Adão e Eva descumpriram a sua obrigação, desobedeceram a lei e incorreram na maldição do pacto das obras, a morte.
O pacto da graça é a manifestação graciosa e misericordiosa de Deus, aplicando a maldição do pacto das obras à pessoa de seu Filho, Jesus Cristo, fazendo com que parte da sua criação, primeiramente representada em Adão, e agora representada por Cristo, pudesse ser redimida. Porém, a lei antes da queda não se resume à ordem de não comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. A lei não deve ser reduzida a um aspecto somente. Existem outras leis, implícitas e explícitas, no texto bíblico. Por exemplo, a descrição das bênçãos em Gênesis 1.28 aparece nos imperativos sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e dominai. Esses imperativos foram ordens claras do Criador a Adão e sua esposa e, por conseguinte, eram leis. O relacionamento de Adão com o Criador estava vinculado à obediência, a qual ele era capaz de exercer e assim cumprir o papel para o qual fora criado. No entanto, o relacionamento de Adão com Deus não se limitava à obediência. Esse relacionamento, acompanhado de obediência, deveria expandir-se de maneira que nele o Deus criador fosse glorificado e o ser humano pudesse ter plena alegria em servi-lo. A Confissão de Fé nos fala da lei de Deus gravada no coração do homem (CFW 4.2). Essa lei gravada no coração do ser humano reflete o tipo de intimidade reservada por Deus para as suas criaturas.
Nesse contexto podemos perceber que a lei tinha um papel orientador para o ser humano. Para que o seu relacionamento com o Criador se mantivesse, o homem deveria ser obediente e assim cumprir o seu papel. A obediência estava associada à manutenção da bênção pactual. A não obediência estava associada à retirada da bênção e à aplicação da maldição. A lei, portanto, tinha uma função orientadora. O ser humano, desde o princípio, conheceu os propósitos de Deus através da lei. Tendo quebrado a lei, ele tornou-se réu da mesma e recebeu a clara condenação proclamada pelo Criador: a morte.
O que acontece com essa lei depois da queda e da desobediência? Ela tem o mesmo papel? Ela possui diferentes categorias? Por que Deus continuou a revelar a sua lei ao ser humano caído?

III. De que Lei estamos Falando?

A revelação da lei de Deus, como expressão objetiva da sua vontade, encontra-se registrada nas Escrituras. Esse registro, que começou nos tempos de Moisés, fala-nos da lei que Deus deu a Adão e também aos seus descendentes. Essa lei foi revelada ao longo do tempo. Dependendo das circunstâncias e da ocasião em que foi dada, possui diferentes aspectos, qualidades ou áreas sobre as quais legisla. Assim, é importante observar o contexto em que cada lei é dada, a quem é dada e qual o seu objetivo manifesto. Só assim poderemos saber a que estamos nos referindo quando falamos de Lei.
Pr. Carlos Borges(CABB) 

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

LEI E GRAÇA: UMA VISÃO REFORMADA- PARTE I

LEI E GRAÇA: UMA VISÃO REFORMADA
Mauro Fernando Meister*

É quase um paradigma para os cristãos modernos associar o Antigo Testamento à Lei e o Novo Testamento à Graça. Em várias oportunidades propus a estudantes de seminário e na escola dominical estabelecer o relacionamento entre os termos e, invariavelmente, a resposta tem sido a seguinte relação:

LEI      —        Antigo Testamento
GRAÇA           —        Novo Testamento
I. Estamos sob a Lei ou sob a graça?
Esse questionamento reflete um entendimento confuso do ensino bíblico acerca da lei e da graça de Deus. Muitos associam a lei como um elemento pertencente exclusivamente ao período do Antigo Testamento e a graça como um elemento neotestamentário. Isso é muitas vezes o fruto do estudo apressado de textos como:
...sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado (Gálatas 2.16).
Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça (Romanos 6.14).
E, de fato, uma leitura isolada dos textos acima pode levar o leitor a entender lei e graça como um binômio de oposição. Lei e graça parecem opostos, sem reconciliação — o cristão está debaixo da graça e conseqüentemente não tem qualquer relação com a lei. No entanto, essa leitura é falaciosa. O entendimento isolado desses versos leva a uma antiga heresia chamada antinomismo, a negação da lei em função da graça. Nessa visão, a lei não tem qualquer papel a exercer sobre a vida do cristão. O coração do cristão torna-se o seu guia e a lei se torna dispensável.1 O oposto dessa posição é o legalismo ou moralismo, que é a tendência de enfatizar a lei em detrimento da graça (neonomismo). Nesse caso, a obediência não é um fruto da graça de Deus, uma evidência da fé, mas uma tentativa de agradar a Deus e de se adquirir mérito diante dele. Exatamente contra essa idéia é que a Reforma Protestante lutou, apresentando como uma de suas principais ênfases a sola gratia.
No século XVI, os católicos acusavam os reformadores de antinomistas, de serem contrários à lei de Deus. Até mesmo o grande reformador Martinho Lutero expressou preocupação quanto a alguns de seus seguidores que, em seu zelo de proclamar a graça por tanto tempo desprezada pela Igreja, acabavam por desprezar a Lei. Desde a reforma têm aparecido movimentos enfatizando um ou outro desses aspectos, lei ou graça, sempre de forma excludente. Um dos mais recentes movimentos nessa linha, enfatizando a graça em detrimento da lei, é o dispensacionalismo. Essa forma de abordagem surgiu no século XIX, caracterizando a lei como a forma de salvação no período mosaico e o evangelho como a forma de salvação na dispensação da igreja. Esse é, possivelmente, o movimento que mais influência exerce atualmente na interpretação do papel da lei e da graça entre os evangélicos ao redor do mundo.
Em uma direção oposta, outro grande movimento foi iniciado por Karl Barth, em seu livro God, Grace and Gospel, onde argüi por uma unidade básica entre lei e graça, direcionando seu pensamento para um novo moralismo.2 Para termos uma boa idéia de como o debate ainda é atual, em 1993 foi publicado o livro Five Views on Law and Gospel, da coleção Counterpoints, no qual cinco escritores evangélicos contemporâneos expressam diferentes pontos de vista sobre a relação entre a lei e o evangelho (graça).Sem sombra de dúvida, o assunto ainda está muito longe de apresentar um consenso entre os evangélicos.
As implicações da forma como entendemos a relação entre lei e graça vão muito além do aspecto puramente intelectual. Esse entendimento vai, na verdade, determinar toda a forma como alguém enxerga a vida cristã e que tipo de ética esse cristão irá assumir em sua caminhada. John Hesselink, um estudioso sobre a relação entre lei e graça, exemplifica que, na década de 1960, os cristãos proponentes da ética situacionista se levantaram contra leis, regras e princípios gerais, propondo uma nova moralidade.Esse movimento propõe que a ética das Escrituras não é absoluta, mas depende do contexto. Nem mesmo a lei moral de Deus é absoluta; ela depende da situação. Essa proposta surgiu e se desenvolveu dentro do cristianismo tradicional, alcançando seguidores de todas as bandeiras denominacionais, praticamente sem restrições. A lei não tem mais qualquer papel determinante na ética cristã; o que determina a ética cristã é o “princípio do amor,” conclui o movimento. A conseqüência dessa conclusão é que a graça suplanta a lei. As decisões éticas devem ser tomadas levando em consideração o princípio do amor. Tome-se por exemplo a questão do aborto no caso de estupro. Aprová-lo nessas circunstâncias é um ato de amor baseado no princípio do amor à mãe que foi estuprada. Ou mesmo a questão da pena de morte. Ela não se encaixa no princípio do amor ao próximo e, portanto, não pode ser uma prática cristã. Até mesmo situações como o divórcio passam a ser aceitáveis pelo princípio do amor. A separação de casais passa a ser aceitável pelo mesmo princípio. O mesmo acontece com o homossexualismo. Aceitar o homossexualismo passa a ser um ato de amor, e portanto, essa prática não pode ser considerada como pecado, ou, se assim considerada, é um pecado aceitável.
Mas seria essa a verdadeira conclusão do cristianismo e o verdadeiro ensino das Escrituras sobre a lei? É isso que o estudo das Escrituras e o cristianismo histórico nos ensinam? Nas páginas a seguir avaliaremos o pensamento de Calvino a respeito dessa questão e a aplicação calvinista refletida na Confissão de Fé de Westminster (CFW).
II. O Uso da Lei
Para entendermos bem o uso da lei precisamos entender o que são o pacto das obras e o pacto da graça. Assim, é prudente começarmos por esclarecer o que são esses pactos e qual o conceito de lei que está envolvido na questão.
Pacto das Obras e Pacto da Graçaé a terminologia usada pela Confissão de Fé de Westminsterpara explicar a forma de relacionamento adotada por Deus para com as suas criaturas, os seres humanos. Mais do que isso, essa terminologia reflete o sistema teológico adotado pelos reformados, conhecido como teologia federal.De forma bem resumida, podemos dizer que o pacto das obras é o pacto operante antes da queda e do pecado. Adão e Eva viveram originalmente debaixo desse pacto e sua vida dependia da sua obediência à lei dada por Deus de forma direta em Gênesis 2.17 — não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal.Adão e Eva descumpriram a sua obrigação, desobedeceram a lei e incorreram na maldição do pacto das obras, a morte.
O pacto da graça é a manifestação graciosa e misericordiosa de Deus, aplicando a maldição do pacto das obras à pessoa de seu Filho, Jesus Cristo, fazendo com que parte da sua criação, primeiramente representada em Adão, e agora representada por Cristo, pudesse ser redimida. Porém, a lei antes da queda não se resume à ordem de não comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. A lei não deve ser reduzida a um aspecto somente. Existem outras leis, implícitas e explícitas, no texto bíblico. Por exemplo, a descrição das bênçãos em Gênesis 1.28 aparece nos imperativos sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e dominai. Esses imperativos foram ordens claras do Criador a Adão e sua esposa e, por conseguinte, eram leis. O relacionamento de Adão com o Criador estava vinculado à obediência, a qual ele era capaz de exercer e assim cumprir o papel para o qual fora criado. No entanto, o relacionamento de Adão com Deus não se limitava à obediência. Esse relacionamento, acompanhado de obediência, deveria expandir-se de maneira que nele o Deus criador fosse glorificado e o ser humano pudesse ter plena alegria em servi-lo. A Confissão de Fé nos fala da lei de Deus gravada no coração do homem (CFW 4.2). Essa lei gravada no coração do ser humano reflete o tipo de intimidade reservada por Deus para as suas criaturas.
Nesse contexto podemos perceber que a lei tinha um papel orientador para o ser humano. Para que o seu relacionamento com o Criador se mantivesse, o homem deveria ser obediente e assim cumprir o seu papel. A obediência estava associada à manutenção da bênção pactual. A não obediência estava associada à retirada da bênção e à aplicação da maldição. A lei, portanto, tinha uma função orientadora. O ser humano, desde o princípio, conheceu os propósitos de Deus através da lei. Tendo quebrado a lei, ele tornou-se réu da mesma e recebeu a clara condenação proclamada pelo Criador: a morte.
O que acontece com essa lei depois da queda e da desobediência? Ela tem o mesmo papel? Ela possui diferentes categorias? Por que Deus continuou a revelar a sua lei ao ser humano caído?

III. De que Lei estamos Falando?
A revelação da lei de Deus, como expressão objetiva da sua vontade, encontra-se registrada nas Escrituras. Esse registro, que começou nos tempos de Moisés, fala-nos da lei que Deus deu a Adão e também aos seus descendentes. Essa lei foi revelada ao longo do tempo. Dependendo 

Pr. Carlos Borges(CABB) 

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

PRESERVERANDO A DOUTRINA-MISSÃO CONSERVADORA DA IGREJA- PARTE VII- FINAL

- Mas, além de sustentar o que lhe está acima, a coluna também põe em evidência aquilo que está acima, tanto que a coluna fica imperceptível ante ao que lhe está acima. A coluna é feita para fazer sobressair e para que no topo esteja aquilo que está a sustentar. Assim também, a Igreja não é feita para aparecer, não é feita para se sobressair, mas para que todos vejam, bem acima, em posição superior, a Verdade, ou seja, Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.

- A Igreja é coluna da verdade e, portanto, faz sobressair o seu Senhor, faz com que os homens vejam a Cristo Jesus em Sua posição de majestade e glória. Quando executamos as boas obras decorrentes de nossa vida de comunhão com Deus, não somos nós quem aparecemos, mas, sim, o nosso Pai que está nos céus, que é, então, glorificado pelos homens (Mt.5:16). Somos apenas luzeiros (Fp.2:15 ARA), verdadeiros espelhos que refletem a glória de Deus(II Co.3:18), pois desaparecemos, já que não mais vivemos, mas Cristo vive em nós (Gl.2:20).

- Como são, portanto, totalmente diferentes da Igreja estes movimentos que se valem das imagens de homens, das chamadas “lideranças-ícone” para terem sucesso e êxito no meio dos homens. Querem que seus movimentos apareçam, que seus líderes apareçam, insistindo mesmo que há a necessidade de ficarmos debaixo de “coberturas apostólicas”, de “unções dos líderes”, para termos comunhão com o Senhor, como se existissem outros mediadores. Devemos tomar todo cuidado com o “culto da personalidade” que tem grassado em muitas igrejas locais, pois isto é idolatria e algo que nada tem que ver com o projeto divino para a Igreja, que é a de ser coluna da verdade, ou seja, de fazer sobressair única e exclusivamente o nome do Senhor Jesus. Somos colunas, por isso, somos vistos pelos homens, mas eles não se impressionam conosco, mas, sim, com a Verdade que sustentamos, com o Rei dos reis e Senhor dos Senhores. Aleluia!

- Quando se deixa de dar o primeiro e único lugar ao Senhor Jesus, a doutrina é, fatalmente, deixada de lado e começam a surgir “revelações”, “evangelhos” e tantas invencionices humanas, para ocupar o lugar da sã doutrina. Nesta vaidade de algumas lideranças, que tomam para si, indevidamente, a glória que somente caberia a Deus, também se manifesta a heresia, pois é próprio dos falsos mestres, doutores, apóstolos e profetas quererem ser o centro das atenções, ter seus discípulos à sua volta, o que faz com que, definitivamente, não se esteja diante de porção da única coluna da verdade.

- Mas a coluna, também, tem uma característica, que, aliás, é a que distingue do pilar: a coluna é usada como ornato em monumentos ou edificações, ou seja, serve para embelezar uma edificação, uma construção, tendo formas e proporções que realçam este papel estético, algo que não há no pilar, que é mero elemento de sustentação. Sendo coluna da verdade, a Igreja serve para embelezar a verdade, ou seja, tem como função tornar agradável, atraente e formoso o Senhor Jesus, que é a Verdade.

- Em Seu ministério terreno, Jesus nunca Se distinguiu pela aparência física. O profeta Isaías afirma que Ele não tinha parecer nem formosura (Is.53:2). Muitos procuram dizer que a cena descrita pelo profeta era a cena da paixão e morte do Senhor, quando já Se encontrava desfigurado pelas agressões violentas da soldadesca romana, mas o fato é que nada há nas Escrituras que demonstrem que Jesus Se distinguisse por Seu aspecto físico, tanto que o traidor Judas Iscariotes precisou beijar o Senhor para que os soldados judeus O prendessem (Mt.26:48; Mc.14:44).

- A beleza do Senhor diz respeito à Sua glória, como se vê no Monte da Transfiguração ou na Sua aparição na ilha de Patmos ao apóstolo Paulo. É esta beleza que deve ser realçada pela Igreja. Faz parte da missão da Igreja sobre a face da Terra, o realce da glória de Deus, da formosura da santidade e do amor do Senhor. Por isso, deve a Igreja dedicar-se à doutrina pois, através dela, poderá fazer com que os homens possam ver a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus (II Co.4:4).

- Tudo o que de belo há para ser contemplado pela humanidade tem sua origem em Deus, como podemos verificar quando da contemplação da criação, das matas, florestas, paisagens naturais em geral, dos céus com seus corpos e astros. Assim também, a Igreja, ao ser contemplada pelos homens, faz com que vejam a glória divina, a formosura do esplendor da glória de Deus, motivando, assim, o desejo e a esperança dos homens de poderem, uma vez mais, desfrutar da comunhão com o Senhor, arrependendo-se dos seus pecados.

- A Igreja é a expressão desta beleza espiritual, é espelho da glória de Deus e, por isso, desde sempre, é vista pelos incrédulos como um povo diferente e que, apesar das perseguições e incompatibilidades, é visto em grande estima (At.5:13).

- A importância de a Igreja ser a coluna da verdade sobre a face da Terra se ressalta na própria expressão do Senhor Jesus na Sua carta à igreja de Filadélfia, quando promete, aos vencedores, que eles serão “coluna no templo do Meu Deus” (Ap.3:12). Somente quem tiver sido coluna da verdade sobre a face da Terra será digno de ser “coluna no templo de Deus” na Jerusalém celestial. Ser coluna, como adianta o Senhor, é receber o nome de Deus, o nome da cidade de Deus e o novo nome do Senhor. Quem é coluna, como já vimos, não tem desejo de aparecer, quer apenas glorificar ao Senhor e, por isso, ao adentrar nos céus, vitorioso, receberá o nome de Deus, o nome da Jerusalém celestial e o novo nome de Cristo, pois terá servido fielmente ao Senhor e, como foi fiel no pouco, também o será no muito (Mt.25:21,23).

- Mas a Igreja não é só coluna da verdade. É também firmeza da verdade. A expressão “firmeza” é tradução do grego “hedraioma” (έδραίωμα), que significa “fundamento”, “alicerce”, “apoio”, “baluarte”. Esta expressão mostra-nos que o Senhor conta com a Sua Igreja para mostrar-Se ao mundo sem Deus e sem salvação. Assim como a Igreja ergue bem alto o Senhor para que todos O admirem e nEle creiam, por intermédio do testemunho, da obediência, da defesa e da glorificação do Senhor, Jesus, também, atua, por intermédio da Igreja, para confirmar a Palavra, para comprovar, por meio de sinais e maravilhas, que a Igreja está a dizer o que é verdadeiro.

- Ser “firmeza da verdade” é ser instrumento do Senhor para confirmação de tudo quanto tiver sido pregado e ensinado. Por isso, quando os discípulos partiram por todas as partes, pregando a Palavra, o Senhor Jesus com eles cooperou, operando sinais e maravilhas, para confirmação da pregação do Evangelho (Mc.16:20).

- Ser “firmeza da verdade” é ter a experiência do poder de Deus na vida da Igreja, é se pôr à disposição do Senhor, em inteira certeza de fé, para que Jesus, dentro de Sua vontade soberana, atue de modo a confirmar tudo quanto for pregado. Cabe à Igreja deixar-se usar pelo Senhor, confiar na Sua Palavra e fazer tudo aquilo que Ele tem mandado. Foi assim que fizeram os discípulos, é assim que têm os servos do Senhor feito durante estes quase dois mil anos de história da Igreja.

- O apóstolo Paulo pôde dizer aos irmãos que estavam em Corinto que a sua pregação não havia consistido apenas de belas palavras persuasivas, de uma técnica retórica que o apóstolo, formado na escola filosófica de Tarso, certamente tinha domínio. Paulo, porém, tinha plena convicção que sua pregação fora confirmada pelo Senhor com demonstração de poder e do Espírito Santo (I Co.2:4), porque era ele “firmeza da verdade”, a base sobre a qual o Senhor poderia cooperar e confirmar a pregação do Evangelho.

- A doutrina, portanto, traz manifestação do poder de Deus, ao contrário do que muitos “fervorosos” têm pregado e afirmado nos nossos dias, especialmente entre os que se dizem “pentecostais”. O poder de Deus é conseqüência de uma estruturação doutrinária, é uma confirmação de uma vida feita com prioridade e base na Palavra do Senhor. Fora disso, teremos, muito certamente, um misticismo inócuo e que, como se tem visto ao longo dos séculos e, particularmente, nos dias em que vivemos, se degenera em feitiçaria e paganismo travestido de pregação do Evangelho.

- Temos sido coluna e firmeza da verdade? Estamos de pé diante do Senhor? Temos mostrado Cristo em nossas vidas? Temos defendido a Palavra de Deus? Temos impedido que a heresia e o mundanismo penetrem em nossas igrejas locais? Tomemos cuidado de nós mesmos e da doutrina.

Pr. Carlos Borges(CABB)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

PRESERVANDO A DOUTRINA-MISSÃO CONSERVADORA DA IGREJA -PARTE -VI

- A Igreja, portanto, tem de suportar o peso da Palavra de Deus e sofrer a inimizade do mundo e viver em constante luta com os valores, crenças e princípios mundanos. A coluna da verdade suporta a doutrina, agüenta o peso da Palavra de Deus e nada tem com o mundo ou com o pecado. Quem procura contemporizar com o pecado, quem procura conviver com o mundanismo e apresenta tolerância com a concupiscência, já não é mais coluna, pois a coluna tem de suportar a verdade e não a mentira.

- Prega-se, hoje em dia, um Evangelho de facilidades, de prosperidade, de leveza, de “sombra e água fresca”. Este, porém, não é o genuíno e autêntico Evangelho. O Evangelho pregado por Cristo exige de nós que tomemos a cruz e que estejamos em constante batalha contra as portas do inferno (Mt.16:18; Ef.6:12). Ser coluna é suportar a Verdade, é suportar a sã doutrina, não o pecado. Não podemos aceitar as astutas ciladas do diabo, que procura estabelecer “tréguas” e “cessar-fogo” com os crentes, engodando-os, pois não é possível haver comunhão entre a luz e as trevas.

- Os que não suportam mais a sã doutrina, como já se disse supra, acabam amontoando para si doutores conforme as suas próprias concupiscências, acabam negando o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmo repentina destruição (II Pe.2:1). Deixam de adorar a Deus e preferem desfrutar da glória efêmera dos reinos deste mundo, adorando ao diabo, o deus deste século, ainda que indiretamente (Mt.4:8,9). São as astutas ciladas do adversário que, infelizmente, têm seduzido a muitos.

- Uma das grandes armadilhas lançadas pelo adversário para fazer com que muitos deixem de suportar a Verdade são as riquezas desta vida. Quem ama as riquezas (denominadas nas Escrituras de “Mamom”), jamais amará ao Senhor (Mt.6:24) e, por isso, muitos, querendo ser ricos, caem em tentação, em laço e em muitas concupiscências nocivas e loucas (I Tm.6:9). Não suportam, assim, a doutrina, pois não amam mais a Deus e, por isso, passam a amar as riquezas desta vida, a amar o dinheiro. Seu fim, infelizmente, será a perdição eterna, pois se desviam da fé (I Tm.6:10), ficando do lado de fora da Jerusalém celestial, já que todo avarento é idólatra (Cl.3:5; Ap.21:8; 22:15).

- Aqueles, porém, que suportarem a Verdade, que agüentarem as dificuldades da vida, mesmo as de ordem econômico-financeira, estes serão vencedores e estarão com o Senhor para todo o sempre, pois devemos ajuntar o nosso tesouro no céu (Mt.6:20,21).

- Sustentar é, também, portar, carregar, levar nas mãos, manter a resistência, resistir. A Igreja tem o dever de carregar a Verdade, de proclamar a Verdade, de resistir com a Verdade a todos os ataques da mentira, a todos os dardos inflamados do inimigo. A Bíblia é clara ao dizer que devemos resistir ao diabo e que só assim ele fugirá de nós (Tg.4:7; I Pe.5:8,9).

- A resistência ao diabo dá-se através do uso da Palavra de Deus, da sua proclamação, do seu ensino, como Jesus nos provou quando de Sua tentação. A Igreja deve sempre, em todas as ocasiões, proclamar a Palavra de Deus e dizer aos homens qual é a vontade de Deus sobre todo e qualquer assunto, sobre toda e qualquer questão que se levante entre os homens.

- A Igreja deve manter-se intolerante com o pecado, o que não significa que deva ser intolerante com os pecadores. A Igreja não pode se excluir da sociedade, pois está no mundo, mas jamais pode compactuar com o pecado, pois não é do mundo. Cabe à Igreja sempre manter-se como porta-voz do Senhor, resistindo bravamente a toda investida do adversário, a toda distorção das Escrituras, a toda heresia e falsa doutrina que se apresente.

- A Igreja é o sal da terra e, como tal, deve preservar o alimento, impedir a sua deterioração. Não deve permitir que a sã doutrina, formada pelos asmos da sinceridade ( I Co.5:8), seja misturada com o fermento dos fariseus(Mc.8:15; Lc.12:1). Por isso, tem a Igreja de defender a doutrina, de contradizer todo e qualquer ensinamento falso, mostrando, nas Escrituras, a Verdade e a vontade de Deus aos homens.

- Ser coluna da verdade é defender a verdade, é defender a fé cristã. Temos aqui a chamada “missão apologética da Igreja”. A Igreja deve defender a sã doutrina, mostrando aos hereges, uma e outra vez, onde estão errados, a fim de que possam se converter e retornar à ortodoxia doutrinária, mas sem contender e sem criar pelejas e debates intermináveis, que não produzam qualquer edificação. É por isso que o apóstolo Paulo recomenda a Tito que admoeste o herege uma e outra vez, mas que, depois, verificada a sua apostasia, seja ele evitado, pois debates intermináveis, polêmicas doutrinárias não devem ser perseguidas quando se verifica que não produzirão qualquer edificação espiritual, pois o convencimento não se dá por força do intelecto ou da razão humanas, mas única e exclusivamente por meio do Espírito Santo (I Tm.1:3,4; 6:3-5).

- Vivemos dias de proliferação dos falsos ensinos, que surgem a cada instante em número cada vez maior, pois o espírito do anticristo já está à solta para enganar a tantos quantos negligenciem no estudo da doutrina (II Ts.2:7-12; I Jo.2:18,19; 4:1-3). Muitos, no entanto, apesar desta situação lamentável, têm se deixado intimidar pelo adversário e, covardemente, se calam diante das distorções doutrinárias, permitindo, inclusive, que verdadeiras “sinagogas de Satanás” sejam erigidas em suas igrejas locais (Ap.2:9; 3:9), tornando-as em verdadeiras “abominações da desolação” (Mt.24:15). Como os sacerdotes apóstatas dos dias dos Macabeus e dos dias de Jesus, permitem que a casa de Deus deixe de ser casa de oração para ser covil de ladrões (Mt.21:13), para ser a abominação da desolação (Dn.11:21). Estes tímidos, porém, pagarão caro por sua covardia, pois ficarão do lado de fora da Jerusalém celestial (Ap.21:8). Devemos, assim como o profeta, cuidar para sempre tirar a morte que se introduza dentro da panela (II Rs.4:40,41).

OBS: “…1.TÍMIDOS. Acreditamos que os tais sejam os apóstatas que, por covardia, viraram as costas ao combate da fé e que, em tempo de tribulação, abandonaram a Criusto e Seu testemunho, a fim de salvarem a pele. Negaram a Cristo na terra e, em conseqüência disso, serão negados no céu (Mt.10:33)…” (SILVA, Severino P. da. Apocalipse versículo por versículo. 3.ed., p.267).

Cumprindo o que havia sido profetizado por Daniel, em Dn.11:21, o rei sírio Antíoco, o Grande, profanou o templo de Jerusalém, com a aquiescência da cúpula sacerdotal que havia apostatado do judaísmo, em 175 a.C., estabelecendo um culto ao deus grego Zeus. O templo seria retomado pelos judeus em 166 a.C. e novamente dedicado a Deus, o que deu ocasião ao surgimento da festa da dedicação, mencionada em Jo.10:22. Este episódio histórico é figura do que o Anticristo fará com o terceiro templo, na metade da Grande Tribulação.

- A Igreja deve ter amplo conhecimento da Palavra de Deus, grande experiência com Deus através da prática da sã doutrina, para, com ousadia, proclamar a Verdade e defendê-la diante dos homens e de suas vãs filosofias, crendices, mitologias, religiões e doutrinas, cada vez mais numerosas. Entretanto, para que possamos defender a Bíblia, é preciso que creiamos nela. A timidez somente desaparece quando surge a fé (Mc.4:40). É preocupante, porém, vermos hoje quantos mestres nas igrejas locais titubeiam e são visivelmente duvidosos no seu contacto com a Bíblia Sagrada. Ensinam sem convicção e, não raras vezes, procuram esconder sua ignorância e falta de fé em expressões como “isto é mistério”, quando não recorrem à “tábua de salvação” mais comum que é Dt.29:29. Isto, porém, não é ser coluna da verdade, não é suportar a verdade, não é resistir, não é defender a Palavra de Deus. A estes claudicantes, repetimos as palavras do Senhor a Tomé: “…não sejas incrédulo, mas crente.” (Jo.19:27 “in fine”).

- Sustentar tem o significado de nutrir, alimentar, matar a fome, satisfazer por muito tempo as necessidades de alimento. A Igreja tem de alimentar os homens com a Palavra de Deus, pois a Palavra do Senhor verdadeiramente é comida (Jo.6:55). Não podemos viver espiritualmente sem o pão da vida, sem Jesus Cristo, que é o Verbo de Deus (Jo.1:1;6:35,48). Ser coluna da verdade é ministrar a Palavra ao povo, é matar-lhe a fome e sede da Palavra de Deus, mantê-lo alimentado para o cotidiano de luta contra o mundo e o mal até a volta de Cristo. Por isso, os apóstolos dedicavam-se com zelo e prioridade ao ministério da Palavra (At.6:2,4).

- Todavia, como não deixamos de escrever seguidamente neste espaço, não é isso que temos presenciado em muitas igrejas locais, onde, como diz o professor Aristóteles Torres de Alencar Filho, há cada vez mais “louvorzão” e cada vez mais “palavrinha”. Muitos não têm mais alimentado o povo com a sã doutrina, com a Palavra de Deus e o resultado é que muitos são crentes subnutridos ou desnutridos, cristãos que estão irremediavelmente comprometidos na sua saúde e desenvolvimento espirituais.

- O escritor aos hebreus foi claríssimo ao mostrar que o risco da apostasia que rondava aqueles crentes a quem escreveu a epístola era resultado direto de um crescimento espiritual defeituoso, conseqüência da falta de uma instrução doutrinária condizente (Hb.5:12-6:3). De igual modo, o apóstolo Paulo apontou que os problemas sérios vividos pela igreja em Corinto era, também, produto de um defeituoso crescimento espiritual (I Co.3:1-3).

- Ser coluna da verdade é ministrar a Palavra, nutrir o povo de Deus com a Palavra, ensinar a Palavra, pregar a Palavra, admoestar e exortar com a Palavra. Entretanto, nos dias em que vivemos, o tempo da Palavra vai diminuindo dia após dia em nossas reuniões, que, cada vez mais, é ocupado por um sem-número de atividades, cujo único propósito é enfraquecer o povo de Deus, que, sem Palavra, seguirá sendo um povo espiritualmente desnutrido. Desnutrir nada mais é que nutri-se mal, de forma inadequada, que deixar de se nutrir, que definhar por falta de alimentação apropriada ou por falta de víveres.

- Quando falamos em desnutrição, logo nos vêm à mente as figuras daqueles crianças esqueléticas do continente africano, testemunhas vivas do horror da fome, a grande vergonha da humanidade, a grande face da perversão gerada pelo pecado no meio dos homens. Espiritualmente, estejamos certos, o Senhor vê muitos crentes em iguais condições, que estão a perecer de forma cruel no aspecto espiritual, porque não têm sido corretamente nutridos nas suas igrejas locais. Vivemos praticamente os dias profetizados por Amós, que dizia que haveria tempo em que haveria fome e sede, não de pão, mas de ouvir a Palavra de Deus (Am.8:11,12).


Pr. Carlos Borges(CABB)

domingo, 4 de janeiro de 2015

PRESERVANDO A DOUTRINA- MISSÃO CONSERVADORA DA IGREJA- PARTE V

Vemos que o pro cônsul Sérgio Paulo se admirou da doutrina pregada por Paulo (At.13:12), que não era de Paulo, mas do Senhor, como também, em Atenas, quiseram os filósofos do Areópago ter conhecimento da nova doutrina, precisamente a que era ensinada pelo apóstolo (At.17:19). Paulo, por sinal, em seus escritos, sempre demonstrou sua preocupação para que a doutrina tivesse sempre um espaço privilegiado não só na vida de cada crente, mas nas igrejas locais, pois entendia que ser salvo era ter adotado uma nova doutrina (Rm.6:17), que os inimigos dos crentes são os que promovem dissensões e escândalos contra a doutrina (Rm.16:17), que um culto não tem sentido se não houver doutrina (I Co.14:6,26), que a vida familiar deve ser construída, notadamente a educação dos filhos, pela doutrina do Senhor (Ef.6:4), que a vida do ministro está indissociavelmente vinculada ao ensino e à observância da sã doutrina (I Tm.1:3,10; 4:6,16; 5:17; 6:1,3; II Tm.4:2,3; Tt.2:1,7,10).

- O autor aos hebreus também demonstrou sua preocupação para com a doutrina, mostrando ser ela o verdadeiro alicerce que impede a apostasia do crente (Hb.6:1,2). O apóstolo João, também, mostrou a necessidade de o crente sempre observar a sã doutrina e nela perseverar (II Jo.2,9), bem assim, no Apocalipse, registrando as palavras do Senhor Jesus para as igrejas da Ásia, mostrou quão abominável é ao Senhor que os santos se desviem dos santos caminhos por causa de outras doutrinas (Ap.2:14,15 e 24).

II – IGREJA: COLUNA E FIRMEZA DA VERDADE

- Pelo que pudemos observar pelas referências bíblicas relacionadas à doutrina, esta é uma das principais tarefas da Igreja, que foi mesmo denominada de “coluna e firmeza da verdade” (I Tm.3:15). Uma das razões de ser da Igreja, portanto, é a de sustentar e manter a Palavra de Deus, que é a Verdade (Jo.17:17).

- A palavra “coluna” traduz o grego “stylos” (στυλος), cujo significado vem da arquitetura e da engenharia. Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, “coluna” é “suporte vertical, cilíndrico ou quase cilíndrico, usado como ornato em edificações e monumentos ou como elemento de sustentação para partes elevadas de um edifício, abóbadas, arcos etc., e consta geralmente de base ou pedestal, fuste e capitel.” A palavra vem do latim “columna”, que tem a mesma origem de “columen”, que deu origem à palavra “cume”, que significa topo, ponto mais alto e elevado.

- Como podemos verificar, uma “coluna” é uma peça que tem o papel de suportar algo, de sustentar algo que está acima de si. É ela quem mantém de pé aquilo que é sustentado, estando ela própria numa posição vertical. Ao se dizer que a Igreja é a coluna da verdade, a Bíblia Sagrada mostra-nos, em primeiro lugar, que a Igreja deve se manter em pé, não pode se dobrar, não pode se manter curvada, mas deve se manter com firmeza sobre o solo, a fim de poder sustentar aquilo que está acima de si, que é a verdade.

- Estar de pé é uma exigência de todo aquele que pertence à Igreja (I Co.10:12). Estar em pé é não cair, ou seja, estar em pé é se manter fiel a Deus, não ceder ao pecado nem às tentações, pois cair é se submeter, novamente, à vontade da carne, ao domínio do pecado e do mal (Mt. 6:13 APF, NVI, TB). Estamos em pé quando mantemos a nossa fé em Deus (II Co.1:24). Estamos em pé quando tomamos cuidado de nós mesmos e somente o fazemos quando tomamos cuidado da doutrina (I Tm.4:16).

- Para ser coluna, é preciso que tomemos a posição vertical. Mas a coluna somente toma a posição vertical se estiver fundada em um solo forte, resistente, que possa lhe dar fundamento. A coluna, para ficar em pé, deve estar sobre a rocha (Mt.7:24). Somos postos na rocha quando aceitamos a Cristo como nosso Senhor e Salvador e retirados do charco de lodo do pecado (Sl.40:2). Mas, depois de ali termos sido postos por Deus, é necessário que firmemos os nossos passos e isto somente se dá quando confiamos em Deus e passamos a demonstrar esta nossa fé nEle mediante a guarda dos Seus mandamentos, pois só assim permaneceremos no Senhor (Jo.15:10). É desta maneira que, devidamente fundados em Cristo, a pedra principal de esquina (I Pe.2:6), deixamos o mundo de trevas e passamos para a luz (Jo.3:21). Tornamo-nos, assim, luz e, como toda luz, não ficamos escondidos debaixo do alqueire, i.e., de uma vasilha (Mt.5:15), mas somos colocados numa posição vertical, para sermos vistos pelos homens, assim como as colunas eram vistas nas edificações dos tempos apostólicos, nas construções do chamado período helenístico (período iniciado com Alexandre, o Grande e que vai até a queda de Roma, entre os séculos III a.C. e V d.C.). Ao assumirmos a posição vertical, passamos a ser vistos por todos, tornamo-nos a luz do mundo e nossos passos e obras são presenciados por todos, pois estamos no velador, isto é, no candeeiro, que, como sabemos, é a figura da Igreja, não só a universal como também a local (cfr. Ap.1:20).

- Temos, pois, que o primeiro papel da Igreja, como coluna da verdade, é a de praticar a sã doutrina, seguir os ensinamentos de Cristo Jesus, produzir o fruto do Espírito Santo, guardar as Suas palavras. A doutrina inicia-se não apenas pelo aprendizado intelectual, pelo ouvir a Palavra de Deus, mas pela prática, pela sua observância, por um viver de acordo com a vontade do Senhor. A sã doutrina deve ser sustentada, em primeiro lugar, pelo testemunho da Igreja, por uma vida que corresponda ao que é ensinado pela Palavra de Deus.

- Com Jesus, nosso exemplo (I Pe.2:21), não foi diferente. A multidão ficou admirada de Sua doutrina não pelo que Ele dizia, mas, principalmente, pela autoridade demonstrada no ensino (Mt.7:28,29), autoridade esta que se resumia a um fator muito simples: Jesus, ao contrário dos escribas e fariseus, vivia o que ensinava (Mt.23:2,3). De igual modo, a Igreja, corpo de Cristo, tem de viver aquilo que prega, sem o que não poderá se constituir em coluna da verdade, pois a coluna tem de estar na posição vertical e, se não viver o que pregar, o que ensinar, estará a pecar e o pecado fará com que a igreja local ou o crente, individualmente considerado, esteja prostrado, caído, sem ter como se erguer e levantar.

- A falta de uma vida de santidade, de uma vida separada do pecado é o primeiro fator para que se levantem, no meio do povo de Deus, falsos mestres e falsos doutores. Como nos ensina o apóstolo Paulo, os falsos doutores surgem porque há pessoas que querem viver de acordo com as suas concupiscências, ou seja, de acordo com os seus pecados (II Tm.4:3,4).

- É verdade que o surgimento dos falsos mestres, doutores e profetas é um fenômeno relacionado com o término desta dispensação, algo predito pelas Escrituras, mas não devemos nos esquecer que sua proliferação está diretamente vinculada ao esfriamento do amor de quase todos os cristãos (Mt.24:12). O esfriamento do amor nada mais é que deixar de observar a sã doutrina, pois a prova que damos de que amamos a Jesus é por meio da obediência à Sua Palavra (Jo.14:15; 15:9,10).

- Nestes últimos dias, muitos têm permitido que o pecado venha a esfriar o seu amor a Deus e, como conseqüência disto, passam a amar o mundo e o que no mundo há, numa clara demonstração de que o amor do Pai já neles não está (I Jo.2:15). Em virtude disto, como amam o mundo e o pecado (pois no mundo só há a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida – I Jo.2:16), não aceitam mais sofrer a sã doutrina, não querem saber de viver separados do pecado e, por isso, enganam-se a si mesmos amontoando para si falsos doutores, que tragam mensagens que os estimule a continuar pecando, achando que, mesmo assim, poderão servir a Deus.

- Assim, um dos principais motivos para a proliferação dos falsos mestres, apóstolos, profetas e doutores nos nossos dias é a circunstância de que há cada vez mais pessoas que estão a esfriar o seu amor para com Deus, a deixar de observar a doutrina, a deixarem a sua posição vertical de colunas, para se prostrarem ao pecado e ao mal, pois quem pratica o pecado, torna-se servo dele (Jo.8:34).

- A primeira característica da Igreja como coluna da verdade é, portanto, manter-se fiel ao Senhor, obediente à Sua Palavra, separando-se do mal e do pecado, mantendo-se como o remanescente fiel, que não contaminou os seus vestidos e que, por isso, andarão de branco com o Senhor (Ap.3:4). A preservação da doutrina depende, em primeiro lugar, portanto, da observância da Palavra de Deus, de santidade, de sinceridade de vida, de uma vivência das Escrituras Sagradas.

- Mas a coluna não só tem de estar fundada na rocha e se manter numa posição vertical, como também deve ser o elemento de sustentação do que lhe está acima, “in casu”, da verdade. A Igreja não só deve estar em pé, mas deve sustentar a verdade.

- “Sustentar” é “segurar por baixo, carregar com o peso de; suster, suportar; evitar a queda, manter o equilíbrio de; segurar no alto, levar nas mãos; portar, carregar; manter a resistência a; resistir, agüentar(-se); dar ou receber alimentação; alimentar(-se), nutrir(-se); matar a fome; satisfazer por muito tempo as necessidades de alimento”.

- A Igreja tem o dever de carregar o peso da Palavra de Deus, o que Jesus denominou de “tomar a cruz” (Mt.16:24; Mc.8:34; Lc.9:23). Quem não toma a cruz, não pode ser considerado discípulo de Cristo (Mt.10:38; Lc.14:27).

- Suportar a Palavra de Deus, tomar a cruz nada mais é que observar a Palavra de Deus no dia-a-dia, demonstrar a sua fé em Cristo fazendo aquilo que Ele nos manda em Sua Palavra, ainda que isto represente desvantagens momentâneas e temporárias. Cumprir a Palavra de Deus tem um peso, traz um grande ônus para o servo do Senhor. Por isso, tanto Ezequiel quanto João, quando instados, em visão, a comer um livrinho, verificaram que este livro, era doce como mel em suas bocas (Ez.3:3; Ap.10:9), mas, para João, o livrinho tornou-se amargo no seu ventre (Ap.10:10). Isto nos diz que falar a Palavra de Deus é algo suave, agradável, mas cumpri-la é difícil e causa constrangimentos, dissabores e aflições.

- No entanto, a coluna é feita para suportar o peso do que lhe está acima. A Igreja foi feita para suportar o peso da Verdade, ou seja, de Cristo, da Palavra de Deus. Por causa desta obediência às Escrituras e do amor a Cristo, que se mostra e prova pela guarda de Seus mandamentos, temos de tomar a cruz e sofremos o ódio de todos quantos nos cercam e que, por não terem qualquer compromisso com o Senhor e com a verdade, perseguem-nos e querem apenas o nosso mal (Jo.15:18-23). Como corpo de Cristo, assim como a cabeça, nada temos com o príncipe 
deste mundo (Jo.14:30).

Pr. Carlos Borges(CABB)