por
Charles Haddon Spurgeon
Pois muitos andam entre nós, dos quais, repetidas vezes eu vos dizia e,
agora, vos digo, até chorando, que são inimigos da cruz de Cristo. O destino
deles é a perdição, o deus deles é o ventre, e a glória deles está na sua
infâmia, visto que só se preocupam com as coisas terrenas. (Fil. 3:18,19).
Meus queridos ouvintes. São Paulo nos oferece o modelo completo de um
ministro cristão. Pastor vigilante, ele se preocupava sem cessar com o rebanho
confiado a seus cuidados. Ele não se limitava a pregar o Evangelho, e não cria
ter completado todo o seu dever em anunciar a salvação, mas seus olhos estavam
sempre voltados às Igrejas que havia fundado, seguindo-as, com um interesse
zeloso, no seu progresso ou declínio na fé. Quando ele tinha que ir proclamar o
Evangelho eterno em outras regiões, ele não cessava de velar pelo bem estar
espiritual de suas vibrantes colônias cristãs da Grécia e da Ásia menor,
semeadas por ele em meio às trevas do paganismo; e enquanto acendia novas
lâmpadas na tocha da verdade, ele não negligenciava aquelas que já flamejavam.
É assim que, em nosso texto, ele dá à pequena Igreja de Filipos uma prova de
sua solicitude, lhes dirigindo conselhos e advertências. E o Apóstolo não era
menos fiel que vigilante. Quando via pecado na Igreja, não hesitava em
denunciá-lo. Ele não lembrava a maioria dos pregadores modernos, que se
vangloriam de não ter jamais tido uma relação pessoal com seu rebanho ou jamais
ter incomodado suas consciências, e que põem sua glória naquilo que é enganoso;
porque tivessem eles sido fiéis, tivessem exposto sem impureza todo o conselho
de Deus, teriam infalivelmente, uma vez ou outra, ferido a consciência de seus
ouvintes.
Paulo agia totalmente diferente: ele não temia atacar frontalmente o
pecador, e não somente tinha a coragem de declarar a verdade, mas sabia da
necessidade de insistir sobre esta verdade: "Repetidas vezes eu vos dizia,
e eu vos digo ainda, que muitos entre vós são inimigos da cruz de Cristo”.
Mas se, por uma parte o apóstolo era fiel, por outra ele era cheio de
afeto. Como todo ministro de Cristo deveria fazer, ele amava verdadeiramente as
almas sob seu encargo. Se ele não podia admitir que algum membro das Igrejas
colocadas sob sua direção se desviasse da verdade, não podia mais ainda lhes
repreender sem derramar lágrimas. Ele não sabia brandir a ira com o olho seco,
nem denunciar os juízos de Deus de maneira fria e indiferente.
As lágrimas brotavam de seus olhos, enquanto que sua boca pronunciava as
mais terríveis ameaças; e quando censurava, seu coração batia tão forte de
compaixão e amor, que aqueles a quem ele se dirigia não podiam duvidar da
afeição com que suas censuras eram ditadas: “Eu, repetidas vezes vos dizia, e
agora vos digo até chorando”.
Meus amados. A advertência solene que Paulo, outrora, dirigiu aos
Filipenses nas palavras de meu texto, eu as dirijo a vocês hoje, para que
entendam.
Temo que esta advertência não seja menos necessária em nossos dias que
nos tempos do Apóstolo, porque em nossos dias como nos dias do Apóstolo, há
vários na Igreja cuja conduta testemunha fortemente que são inimigos da cruz de
Cristo. Que posso dizer? O mal, longe de diminuir, me parece ganhar terreno a
cada dia. Há, em nosso século, um maior número de pessoas que fazem profissão
de fé que no tempo de Paulo, mas há também mais hipócritas.
Nossas Igrejas, eu lhes digo para sua vergonha, toleram em seu seio
membros que não têm nenhum direito a este título; membros que estariam bem
melhor se postos em uma sala de festim, ou em qualquer outro lugar de
dissolução e loucura, mas que jamais deveriam molhar os lábios no cálice
sacramental ou comer o pão místico, emblemas dos sofrimentos de nosso Senhor.
Sim, em vão procurariam dissimular que há vários entre nós – (e se tu voltasses
à vida, ó Paulo. Quanto não te sentirias apressado em nos dizer, e quantas
lágrimas amargas não derramarias ao nos dizer!...) – que são inimigos da cruz
de Cristo, e isto porque o deus deles é o ventre, porque eles dirigem suas
afeições às coisas da terra, e sua conduta está em completo desacordo com a
santa lei de Deus.
Eu me proponho, meus irmãos, a procurar com vocês a causa da dor
extraordinária do Apóstolo. Eu digo: dor extraordinária, porque o homem que meu
texto apresenta como derramando lágrimas, não era, vocês sabem, um desses
espíritos fracos, de sensibilidade doentia e sempre perto de se emocionar. Eu
não li em nenhuma parte nas Escrituras que o Apóstolo chorasse sob o golpe da
perseguição. Quando, segundo a expressão do salmista, se traçavam sulcos sobre
seu dorso, quando os soldados romanos o lancetavam com suas varas, não sei de
nenhuma lágrima que tenha escapado de seus olhos. Foi ele jogado na prisão? Ele
cantava e não gemia. Mas, se jamais Paulo chorou por causa dos sofrimentos aos
quais se expôs por amor a Cristo, ele chorou, nós vimos, ao escrever aos
Filipenses. A causa de suas lágrimas era tripla: ele chorava,
primeiramente, por causa DO PECADO de alguns membros da Igreja; em segundo
lugar, por causa DOS EFEITOS DESAGRADÁVEIS DA CONDUTA DELES, e enfim, por causa
do DESTINO que lhes esperava.
I
Primeiramente, nos foi dito, Paulo chorava por causa do PECADO destes
formalistas que, ainda que façam parte exteriormente de uma Igreja cristã, não
andam corretamente diante de Deus e dos homens. E notem a acusação que ele faz
contra eles: o Deus deles é o ventre, escreve ele. Sua sensualidade.
Este é o primeiro pecado que eles têm, do Apóstolo, sua reprovação.
Havia, de fato, na Igreja primitiva, pessoas que após terem sentado
junto à mesa do Senhor, iam participar dos banquetes dos pagãos, e lá se davam
sem constrangimento aos excessos de comida e bebida. Outros, se abandonando às
abomináveis concupiscências da carne, mergulhavam nesses prazeres (falsamente
assim chamados), que não somente fazem perder a alma, mas afligem o corpo com
justo castigo. Outros ainda, sem cair em tão vergonhosos excessos, se
preocupavam muito mais com a aparência exterior que a interior, do alimento do
homem exterior que da vida do homem interior; de sorte que, como os
precedentes, ainda que de outra maneira, eles faziam do ventre o seu Deus.
Assim, meus queridos ouvintes, eu lhes pergunto, esta grave reprovação
do Apóstolo é, para nós, menos aplicável que à Igreja de Filipos? Seria
impossível encontrar entre os membros de nossos rebanhos, pessoas que
deifiquem, de algum modo, sua própria carne, que se entreguem a ela num culto
idólatra, que se inclinem diante da parte mais material de seu ser?
Não é notório, não é incontestável, ao contrário, que há homens fazendo
profissão de fé, que cuidam da sua carne, que acariciam seus apetites sensuais,
tanto quanto os mundanos declarados poderiam fazer?
Não há aqueles que são amantes dos prazeres da mesa, que se deleitam em
seu bem estar, no luxo, nas luxúrias da vida presente? Não há quem gaste, sem
escrúpulos, toda uma fortuna para embelezar o corpo que perece, sem refletir
que agindo assim, eles destroem a beleza da causa do Salvador que eles
pretendem servir? Não há aqueles cujo negócio da sua vida consiste em procurar
seu bem estar, e cuja carne e sangue jamais tiveram ocasião de lastimar, porque
não somente são escravos, mas ainda fazem disso seu Deus?
Ah, meus irmãos, há grandes manchas na Igreja, há grandes escândalos.
Ovelhas viciadas foram introduzidas no rebanho. Falsos irmãos
introduziram-se entre nós, como serpentes sob a erva; e cada vez mais se
descobre que eles têm infligido uma dolorosa ferida na religião e ocasionado
sério dano à gloriosa causa de nosso Mestre. Eu repito com profunda tristeza,
mas com plena convicção, há vários em nossas Igrejas (falo igualmente das
Igrejas dissidentes e da Igreja estabelecida) – Spurgeon, ele mesmo pertencia a
uma Igreja dissidente – aos quais se aplicam muito bem estas severas palavras
do Apóstolo: o Deus deles é o ventre.
Uma segunda reprovação que Paulo dirigiu aos pretensos cristãos de
Filipos, era a que eles se apegavam afetivamente às coisas da terra.
Meus amados; pode ser que a acusação anterior não tenha atingido suas
consciências; mas, a presente, me parece bem difícil que dela vocês possam
encontrar um escape. Há mais: afirmo que o mal assinalado aqui pelo Apóstolo,
tem invadido em nossos dias a maior parte da Igreja de Cristo.
Para se convencer, basta abrir os olhos à evidência.
Assim, por exemplo, é uma anomalia, mas é fato que hoje existem cristãos
ambiciosos. O Salvador declarou, é verdade, que aquele que quer ser elevado
deve se diminuir; também, se pensava outrora, que o cristão era um homem
simples, modesto, acostumado às pequenas coisas; mas em nosso século ele não é
mais assim.
Entre os pretensos discípulos do humilde Galileu, há, ao contrário,
gente que aspira conseguir a primeira escala das grandezas humanas, e cujo
único pensamento é, não glorificar a Cristo, mas de se glorificar a si mesmo e
a qualquer preço.
É assim, (para sua vergonha, ó Igreja) que há em entre nós, pessoas que
mesmo tendo aparência de piedade, não são menos mundanas que os mais mundanos,
e que não sabem mais sobre o Espírito de Cristo, que os homens mais carnais de
fora.
Pr. Carlos Borges(CABB)
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