que a graça suplanta a lei. As decisões éticas devem ser tomadas levando
em consideração o princípio do amor. Tome-se por exemplo a questão do aborto no
caso de estupro. Aprová-lo nessas circunstâncias é um ato de amor baseado no
princípio do amor à mãe que foi estuprada. Ou mesmo a questão da pena de morte.
Ela não se encaixa no princípio do amor ao próximo e, portanto, não pode ser
uma prática cristã. Até mesmo situações como o divórcio passam a ser aceitáveis
pelo princípio do amor. A separação de casais passa a ser aceitável pelo mesmo
princípio. O mesmo acontece com o homossexualismo. Aceitar o homossexualismo
passa a ser um ato de amor, e portanto, essa prática não pode ser considerada
como pecado, ou, se assim considerada, é um pecado aceitável.
Mas seria essa a verdadeira conclusão do cristianismo e o verdadeiro
ensino das Escrituras sobre a lei? É isso que o estudo das Escrituras e o
cristianismo histórico nos ensinam? Nas páginas a seguir avaliaremos o
pensamento de Calvino a respeito dessa questão e a aplicação calvinista
refletida na Confissão de Fé de
Westminster (CFW).
II. O Uso da Lei
Para entendermos bem o uso da lei precisamos entender o que são o pacto
das obras e o pacto da graça. Assim, é prudente começarmos por esclarecer o que
são esses pactos e qual o conceito de lei que está envolvido na questão.
Pacto das Obras e Pacto da Graça5 é
a terminologia usada pela Confissão de Fé
de Westminster6 para explicar a forma de relacionamento
adotada por Deus para com as suas criaturas, os seres humanos. Mais do que
isso, essa terminologia reflete o sistema teológico adotado pelos reformados,
conhecido como teologia federal.7 De forma bem resumida,
podemos dizer que o pacto das obras é o pacto operante antes da queda e do
pecado. Adão e Eva viveram originalmente debaixo desse pacto e sua vida
dependia da sua obediência à lei dada por Deus de forma direta em Gênesis 2.17
— não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal.8 Adão e
Eva descumpriram a sua obrigação, desobedeceram a lei e incorreram na maldição
do pacto das obras, a morte.
O pacto da graça é a manifestação graciosa e misericordiosa de Deus,
aplicando a maldição do pacto das obras à pessoa de seu Filho, Jesus Cristo,
fazendo com que parte da sua criação, primeiramente representada em Adão, e
agora representada por Cristo, pudesse ser redimida. Porém, a lei antes da
queda não se resume à ordem de não comer do fruto da árvore do conhecimento do
bem e do mal. A lei não deve ser reduzida a um aspecto somente. Existem outras
leis, implícitas e explícitas, no texto bíblico. Por exemplo, a descrição das
bênçãos em Gênesis 1.28 aparece nos imperativos sede fecundos, multiplicai-vos,
enchei a terra e dominai. Esses imperativos foram ordens claras do Criador a
Adão e sua esposa e, por conseguinte, eram leis. O relacionamento de Adão com o
Criador estava vinculado à obediência, a qual ele era capaz de exercer e assim
cumprir o papel para o qual fora criado. No entanto, o relacionamento de Adão
com Deus não se limitava à obediência. Esse relacionamento, acompanhado de
obediência, deveria expandir-se de maneira que nele o Deus criador fosse
glorificado e o ser humano pudesse ter plena alegria em servi-lo. A Confissão de Fé nos fala da lei de Deus
gravada no coração do homem (CFW 4.2). Essa lei gravada no coração do ser
humano reflete o tipo de intimidade reservada por Deus para as suas criaturas.
Nesse contexto podemos perceber que a lei tinha um papel orientador para
o ser humano. Para que o seu relacionamento com o Criador se mantivesse, o
homem deveria ser obediente e assim cumprir o seu papel. A obediência estava
associada à manutenção da bênção pactual. A não obediência estava associada à
retirada da bênção e à aplicação da maldição. A lei, portanto, tinha uma função
orientadora. O ser humano, desde o princípio, conheceu os propósitos de Deus
através da lei. Tendo quebrado a lei, ele tornou-se réu da mesma e recebeu a
clara condenação proclamada pelo Criador: a morte.
O que acontece com essa lei depois da queda e da desobediência? Ela tem
o mesmo papel? Ela possui diferentes categorias? Por que Deus continuou a
revelar a sua lei ao ser humano caído?
III. De que Lei estamos Falando?
A revelação da lei de Deus, como expressão objetiva da sua vontade,
encontra-se registrada nas Escrituras. Esse registro, que começou nos tempos de
Moisés, fala-nos da lei que Deus deu a Adão e também aos seus descendentes.
Essa lei foi revelada ao longo do tempo. Dependendo das circunstâncias e da
ocasião em que foi dada, possui diferentes aspectos, qualidades ou áreas sobre
as quais legisla. Assim, é importante observar o contexto em que cada lei é
dada, a quem é dada e qual o seu objetivo manifesto. Só assim poderemos saber a
que estamos nos referindo quando falamos de Lei.
Pr. Carlos Borges(CABB)
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