A Confissão de Fé, no capítulo
18, divide esses aspectos em lei moral, civil e cerimonial. Cada uma tem um
papel e um tempo para sua aplicação:
(a) Lei Civil ou Judicial – representa a legislação dada à sociedade israelita ou à nação de
Israel; por exemplo, define os crimes contra a propriedade e suas respectivas
punições.
(b) Lei Religiosa ou Cerimonial – representa a legislação levítica do Velho Testamento; por exemplo,
prescreve os sacrifícios e todo o simbolismo cerimonial.
(c) Lei Moral –
representa a vontade de Deus para o ser humano, no que diz respeito ao seu
comportamento e aos seus principais deveres.
A. Toda a Lei é aplicável aos nossos dias?
Quanto à aplicação da Lei, devemos exercitar a seguinte compreensão:
(a) A Lei Civil -Tinha
a finalidade de regular a sociedade civil do estado teocrático de Israel. Como tal, não é aplicável normativamente em
nossa sociedade. Há os que erram ao
querer aplicar parte dela, sendo incoerentes, pois não conseguem aplicá-la, nem
impingi-la, em sua totalidade.
(b) A Lei Religiosa -Tinha
a finalidade de imprimir nos homens a santidade de Deus e apontar para o
Messias, Cristo, fora do qual não há esperança. Como tal, foi cumprida com sua vinda. Há os que erram ao querer
aplicar parte da mesma nos dias de hoje e ao mesclá-la com a Lei Civil.
(c) A Lei Moral -Tem
a finalidade de deixar bem claro ao homem os seus deveres, revelando suas
carências e auxiliando-o a discernir entre o bem e o mal. Como tal, é aplicável em todas as épocas e ocasiões.Há os que acertam ao considerá-la válida, porém erram ao
confundi-la e ao mesclá-la com as outras
duas, prescrevendo um aplicação confusa e desconexa.9
Assim sendo, é fundamental que, ao ler o texto bíblico, saibamos
identificar a que tipo de lei o texto se refere e conhecer, então, a
aplicabilidade dessa lei ao nosso contexto. As leis civis e cerimoniais de
Israel não têm um caráter normativo para o povo de Deus em nossos dias,
ainda que possam ter outra função como, por exemplo, ensinar-nos princípios
gerais sobre a justiça de Deus. Portanto, a lei que permanece “vigente” em
nossa e em todas as épocas é a lei moral de Deus. Ela valeu para Adão assim
como vale para nós hoje. Isto implica que estamos, hoje, debaixo da lei?
B. Estamos sob a Lei ou sob a Graça de Deus?
Muitas interpretações erradas podem resultar de um entendimento falho
das declarações bíblicas de que “não estamos debaixo da lei, e sim da graça”
(Romanos 6.14). Se considerarmos que os três aspectos da lei de Deus
apresentados acima são distinções bíblicas, podemos afirmar:
(a) Não estamos sob a Lei Civil de Israel, mas sob o período da graça de Deus, em que
o evangelho atinge todos os povos, raças, tribos e nações.
(b) Não estamos sob a Lei Religiosa de Israel, que apontava para o Messias, foi cumprida
em Cristo, e não nos prende sob nenhuma de suas ordenanças cerimoniais, uma vez
que estamos sob a graça do evangelho de Cristo, com acesso direto ao trono,
pelo seu Santo Espírito, sem a intermediação dos sacerdotes.
(c) Não estamos sob a condenação da Lei Moral de Deus, se fomos resgatados pelo seu sangue, e nos
achamos cobertos por sua graça. Não estamos, portanto, sob a lei, mas sob a
graça de Deus, nesses sentidos.
Entretanto...
(a) Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela continua representando a soma de nossos deveres
e obrigações para com Deus e para com o nosso semelhante.
(b) Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela, resumida nos Dez Mandamentos, representa o
caminho traçado por Deus no processo de santificação
efetivado pelo Espírito Santo em nossa pessoa (João 14.15). Nos dois últimos
aspectos, a própria Lei Moral de Deus é uma expressão de sua graça,
representando a revelação objetiva e proposicional de sua vontade.10
IV. Os Três usos da Lei11
Para esclarecer a função da lei de Deus dada por intermédio de Moisés12
nas diferentes épocas da revelação, Calvino usou a seguinte terminologia:
A. O Primeiro Uso da Lei: Usus Theologicus
É a função da lei que revela e torna ainda maior o pecado humano. Segue
o ensino de Paulo em Romanos 3.20 e 5.20:
...visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em
razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado.
Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa; mas onde abundou o pecado,
superabundou a graça.13
Calvino aponta para esse papel da lei diante da realidade do homem
caído. Sendo o pecado abundante, vivemos no tempo em que a lei exerce o
“ministério da morte” (2 Co 3.7) e, por conseguinte, “opera a ira” (Rm 4.15).
Cabe aqui uma nota sobre a terminologia dos reformadores (especialmente
Calvino) a respeito da lei. A palavra lei é usada em pelo menos dois sentidos
distintos, que devem ser entendidos a partir do contexto. Em alguns casos o
termo lei é usado como um sinônimo de Antigo Testamento, da mesma forma como
Evangelho é usado como um sinônimo de Novo Testamento. Em outros contextos o
termo lei é usado como uma categoria especial referente ao seu uso como
categoria de comando, um mandamento direto expressando a vontade absoluta de
Deus sobre alguma coisa, sem promessa. É dessa forma que Calvino interpreta a
lei em 2 Co 3.7, Rm 4.15 e 8.15. Nesse sentido, o binômio que se confirma é o
binômio Lei x Evangelho. O mandamento que não traz salvação versus a graça
salvadora de Deus. Porém, não podemos esquecer que é o próprio Antigo
Testamento que nos apresenta a promessa da salvação de Deus, a sua graça
operante sobre os crentes da antiga dispensação.
Em Romanos, Paulo aponta para a perfeição da lei, que, se obedecida,
seria suficiente para a salvação. Porém, nossa natureza carnal confronta-se com
a perfeição da lei, e essa, dada para a vida, torna-se em ocasião de morte. Uma
vez que todos são comprovadamente transgressores da lei, ela cumpre a função de
revelar a nossa iniqüidade.
Explicando isso, Calvino comenta:
Ainda que o pacto da graça se ache contido na lei, não obstante Paulo o
remove de lá; porque ao contrastar o evangelho com a lei, ele leva em
consideração somente o que fora peculiar à lei em si mesma, ou seja, ordenança e proibição, refreando assim os transgressores com a ameaça de morte.
Ele atribui à lei suas próprias qualificações, mediante as quais ela difere do
evangelho. Contudo, pode-se preferir a seguinte afirmação: “Ele só apresenta a
lei no sentido em que Deus, nela, se pactua conosco em relação às obras.14
B. O Segundo Uso da Lei: Usus Civilis
É a função da lei que restringe o pecado humano, ameaçando com punição
as faltas contra ela mesma.15 É certo que essa função da lei
não opera nenhuma mudança interior no coração humano, fazendo-o justo ou reto
ao obedecê-la. A lei opera assim como um freio, refreando “as mãos de uma ação
extrema.”16 Portanto, pela lei somente o homem não se torna
submisso, mas é coagido pela força da lei que se faz presente na sociedade
comum. É exatamente isto que permite aos seres humanos uma convivência social.
Vivemos em sociedade para nos proteger uns dos outros. Com o tempo, o homem
pode aprender a viver com tranqüilidade por causa da lei de Deus que nos
restringe do mal. O homem é capaz, por causa da lei de Deus, de copiá-la para o
seu próprio bem. É até mesmo capaz de criar leis que refletem princípios da
justiça de Deus. Calvino menciona o texto de 1 Timóteo 1.9-10 para mostrar essa
função da lei:
...tendo em vista que não se
promulga lei para quem é justo, mas para transgressores e rebeldes,
irreverentes e pecadores, ímpios e profanos, parricidas e matricidas,
homicidas, impuros, sodomitas, raptores de homens, mentirosos, perjuros e para
tudo quanto se opõe à sã doutrina...
Assim, a lei exerce o papel de coerção para esses transgressores e evita
que esse tipo de mal se alastre ainda mais amplamente no seio da sociedade
humana. Essa ação inibidora da lei cumpre ainda um outro papel importante no
caso dos eleitos não regenerados. Ela serve como um aio, um condutor a Cristo,
como diz Paulo em Gálatas 3.24: “...de
maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que
fôssemos justificados por fé.” Dessa forma ela serviu à sociedade judia e
serve à sociedade humana como um todo. Da mesma forma essa lei serve ao eleito
ainda não regenerado. Ele, antes da manifestação da sua salvação, é ajudado
pela lei a não cometer atrocidades, não como uma garantia de que não fará algo
terrível, mas como uma ajuda, pelo temor da punição.
Pr. Carlos Borges(CABB)
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