Lei e Graça: Uma visão reformada
Mauro Fernando Meister*
É quase um paradigma para os cristãos modernos associar o Antigo
Testamento à Lei e o Novo Testamento à Graça. Em várias oportunidades propus a
estudantes de seminário e na escola dominical estabelecer o relacionamento
entre os termos e, invariavelmente, a resposta tem sido a seguinte relação:
LEI — Antigo Testamento
GRAÇA — Novo Testamento
I. Estamos sob a Lei ou sob a graça?
Esse questionamento reflete um entendimento confuso do ensino bíblico
acerca da lei e da graça de Deus. Muitos associam a lei como um elemento
pertencente exclusivamente ao período do Antigo Testamento e a graça como um
elemento neotestamentário. Isso é muitas vezes o fruto do estudo apressado de
textos como:
...sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e
sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que
fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras
da lei, ninguém será justificado (Gálatas 2.16).
Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da
lei, e sim da graça (Romanos 6.14).
E, de fato, uma leitura isolada dos textos acima pode levar o leitor a
entender lei e graça como um binômio de oposição. Lei e graça parecem opostos,
sem reconciliação — o cristão está debaixo da graça e conseqüentemente não tem
qualquer relação com a lei. No entanto, essa leitura é falaciosa. O
entendimento isolado desses versos leva a uma antiga heresia chamada
antinomismo, a negação da lei em função da graça. Nessa visão, a lei não tem
qualquer papel a exercer sobre a vida do cristão. O coração do cristão torna-se
o seu guia e a lei se torna dispensável.1 O oposto dessa posição é o
legalismo ou moralismo, que é a tendência de enfatizar a lei em detrimento da
graça (neonomismo). Nesse caso, a obediência não é um fruto da graça de Deus,
uma evidência da fé, mas uma tentativa de agradar a Deus e de se adquirir
mérito diante dele. Exatamente contra essa idéia é que a Reforma Protestante lutou,
apresentando como uma de suas principais ênfases a sola gratia.
No século XVI, os católicos acusavam os
reformadores de antinomistas, de serem contrários à lei de Deus. Até mesmo o
grande reformador Martinho Lutero expressou preocupação quanto a alguns de seus
seguidores que, em seu zelo de proclamar a graça por tanto tempo desprezada
pela Igreja, acabavam por desprezar a Lei. Desde a reforma têm aparecido
movimentos enfatizando um ou outro desses aspectos, lei ou graça, sempre de
forma excludente. Um dos mais recentes movimentos nessa linha, enfatizando a
graça em detrimento da lei, é o dispensacionalismo. Essa forma de abordagem
surgiu no século XIX, caracterizando a lei como a forma de salvação no período
mosaico e o evangelho como a forma de salvação na dispensação da igreja. Esse
é, possivelmente, o movimento que mais influência exerce atualmente na
interpretação do papel da lei e da graça entre os evangélicos ao redor do
mundo.
Em uma direção oposta, outro grande
movimento foi iniciado por Karl Barth, em seu livro God, Grace and Gospel, onde argüi por uma unidade básica entre lei
e graça, direcionando seu pensamento para um novo moralismo.2 Para
termos uma boa idéia de como o debate ainda é atual, em 1993 foi publicado o
livro Five Views on Law and Gospel,
da coleção Counterpoints, no qual cinco escritores evangélicos contemporâneos
expressam diferentes pontos de vista sobre a relação entre a lei e o evangelho
(graça).3 Sem sombra de dúvida, o assunto ainda está muito
longe de apresentar um consenso entre os evangélicos.
As implicações da forma como entendemos a relação entre lei e graça vão
muito além do aspecto puramente intelectual. Esse entendimento vai, na verdade,
determinar toda a forma como alguém enxerga a vida cristã e que tipo de ética
esse cristão irá assumir em sua caminhada. John Hesselink, um estudioso sobre a
relação entre lei e graça, exemplifica que, na década de 1960, os cristãos
proponentes da ética situacionista se levantaram contra leis, regras e
princípios gerais, propondo uma nova moralidade.4 Esse
movimento propõe que a ética das Escrituras não é absoluta, mas depende do
contexto. Nem mesmo a lei moral de Deus é absoluta; ela depende da situação.
Essa proposta surgiu e se desenvolveu dentro do cristianismo tradicional,
alcançando seguidores de todas as bandeiras denominacionais, praticamente sem
restrições. A lei não tem mais qualquer papel determinante na ética cristã; o
que determina a ética cristã é o “princípio do amor,” conclui o movimento. A
conseqüência dessa conclusão é que a graça suplanta a lei. As decisões éticas
devem ser tomadas levando em consideração o princípio do amor. Tome-se por
exemplo a questão do aborto no caso de estupro. Aprová-lo nessas circunstâncias
é um ato de amor baseado no princípio do amor à mãe que foi estuprada. Ou mesmo
a questão da pena de morte. Ela não se encaixa no princípio do amor ao próximo
e, portanto, não pode ser uma prática cristã. Até mesmo situações como o
divórcio passam a ser aceitáveis pelo princípio do amor. A separação de casais
passa a ser aceitável pelo mesmo princípio. O mesmo acontece com o
homossexualismo. Aceitar o homossexualismo passa a ser um ato de amor, e
portanto, essa prática não pode ser considerada como pecado, ou, se assim
considerada, é um pecado aceitável.
Mas seria essa a verdadeira conclusão do cristianismo e o verdadeiro
ensino das Escrituras sobre a lei? É isso que o estudo das Escrituras e o
cristianismo histórico nos ensinam? Nas páginas a seguir avaliaremos o
pensamento de Calvino a respeito dessa questão e a aplicação calvinista
refletida na Confissão de Fé de
Westminster (CFW).
II. O Uso da Lei
Para entendermos bem o uso da lei precisamos entender o que são o pacto
das obras e o pacto da graça. Assim, é prudente começarmos por esclarecer o que
são esses pactos e qual o conceito de lei que está envolvido na questão.
Pacto das Obras e Pacto da Graça5 é
a terminologia usada pela Confissão de Fé
de Westminster6 para explicar a forma de relacionamento
adotada por Deus para com as suas criaturas, os seres humanos. Mais do que
isso, essa terminologia reflete o sistema teológico adotado pelos reformados,
conhecido como teologia federal.7 De forma bem resumida,
podemos dizer que o pacto das obras é o pacto operante antes da queda e do
pecado. Adão e Eva viveram originalmente debaixo desse pacto e sua vida
dependia da sua obediência à lei dada por Deus de forma direta em Gênesis 2.17
— não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal.8 Adão e
Eva descumpriram a sua obrigação, desobedeceram a lei e incorreram na maldição
do pacto das obras, a morte.
O pacto da graça é a manifestação graciosa e misericordiosa de Deus,
aplicando a maldição do pacto das obras à pessoa de seu Filho, Jesus Cristo,
fazendo com que parte da sua criação, primeiramente representada em Adão, e
agora representada por Cristo, pudesse ser redimida. Porém, a lei antes da
queda não se resume à ordem de não comer do fruto da árvore do conhecimento do
bem e do mal. A lei não deve ser reduzida a um aspecto somente. Existem outras
leis, implícitas e explícitas, no texto bíblico. Por exemplo, a descrição das
bênçãos em Gênesis 1.28 aparece nos imperativos sede fecundos, multiplicai-vos,
enchei a terra e dominai. Esses imperativos foram ordens claras do Criador a
Adão e sua esposa e, por conseguinte, eram leis. O relacionamento de Adão com o
Criador estava vinculado à obediência, a qual ele era capaz de exercer e assim
cumprir o papel para o qual fora criado. No entanto, o relacionamento de Adão
com Deus não se limitava à obediência. Esse relacionamento, acompanhado de
obediência, deveria expandir-se de maneira que nele o Deus criador fosse
glorificado e o ser humano pudesse ter plena alegria em servi-lo. A Confissão de Fé nos fala da lei de Deus
gravada no coração do homem (CFW 4.2). Essa lei gravada no coração do ser
humano reflete o tipo de intimidade reservada por Deus para as suas criaturas.
Nesse contexto podemos perceber que a lei tinha um papel orientador para
o ser humano. Para que o seu relacionamento com o Criador se mantivesse, o
homem deveria ser obediente e assim cumprir o seu papel. A obediência estava
associada à manutenção da bênção pactual. A não obediência estava associada à
retirada da bênção e à aplicação da maldição. A lei, portanto, tinha uma função
orientadora. O ser humano, desde o princípio, conheceu os propósitos de Deus
através da lei. Tendo quebrado a lei, ele tornou-se réu da mesma e recebeu a
clara condenação proclamada pelo Criador: a morte.
O que acontece com essa lei depois da queda e da desobediência? Ela tem
o mesmo papel? Ela possui diferentes categorias? Por que Deus continuou a
revelar a sua lei ao ser humano caído?
III. De que Lei estamos Falando?
A revelação da lei de
Deus, como expressão objetiva da sua vontade, encontra-se registrada nas
Escrituras. Esse registro, que começou nos tempos de Moisés, fala-nos da lei
que Deus deu a Adão e também aos seus descendentes. Essa lei foi revelada ao
longo do tempo. Dependendo
Lei e Graça: Uma visão reformada
Mauro Fernando Meister*
É quase um paradigma para os cristãos modernos associar o Antigo
Testamento à Lei e o Novo Testamento à Graça. Em várias oportunidades propus a
estudantes de seminário e na escola dominical estabelecer o relacionamento
entre os termos e, invariavelmente, a resposta tem sido a seguinte relação:
LEI — Antigo Testamento
GRAÇA — Novo Testamento
I. Estamos sob a Lei ou sob a graça?
Esse questionamento reflete um entendimento confuso do ensino bíblico
acerca da lei e da graça de Deus. Muitos associam a lei como um elemento
pertencente exclusivamente ao período do Antigo Testamento e a graça como um
elemento neotestamentário. Isso é muitas vezes o fruto do estudo apressado de
textos como:
...sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e
sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que
fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras
da lei, ninguém será justificado (Gálatas 2.16).
Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da
lei, e sim da graça (Romanos 6.14).
E, de fato, uma leitura isolada dos textos acima pode levar o leitor a
entender lei e graça como um binômio de oposição. Lei e graça parecem opostos,
sem reconciliação — o cristão está debaixo da graça e conseqüentemente não tem
qualquer relação com a lei. No entanto, essa leitura é falaciosa. O
entendimento isolado desses versos leva a uma antiga heresia chamada
antinomismo, a negação da lei em função da graça. Nessa visão, a lei não tem
qualquer papel a exercer sobre a vida do cristão. O coração do cristão torna-se
o seu guia e a lei se torna dispensável.1 O oposto dessa posição é o
legalismo ou moralismo, que é a tendência de enfatizar a lei em detrimento da
graça (neonomismo). Nesse caso, a obediência não é um fruto da graça de Deus,
uma evidência da fé, mas uma tentativa de agradar a Deus e de se adquirir
mérito diante dele. Exatamente contra essa idéia é que a Reforma Protestante lutou,
apresentando como uma de suas principais ênfases a sola gratia.
No século XVI, os católicos acusavam os
reformadores de antinomistas, de serem contrários à lei de Deus. Até mesmo o
grande reformador Martinho Lutero expressou preocupação quanto a alguns de seus
seguidores que, em seu zelo de proclamar a graça por tanto tempo desprezada
pela Igreja, acabavam por desprezar a Lei. Desde a reforma têm aparecido
movimentos enfatizando um ou outro desses aspectos, lei ou graça, sempre de
forma excludente. Um dos mais recentes movimentos nessa linha, enfatizando a
graça em detrimento da lei, é o dispensacionalismo. Essa forma de abordagem
surgiu no século XIX, caracterizando a lei como a forma de salvação no período
mosaico e o evangelho como a forma de salvação na dispensação da igreja. Esse
é, possivelmente, o movimento que mais influência exerce atualmente na
interpretação do papel da lei e da graça entre os evangélicos ao redor do
mundo.
Em uma direção oposta, outro grande
movimento foi iniciado por Karl Barth, em seu livro God, Grace and Gospel, onde argüi por uma unidade básica entre lei
e graça, direcionando seu pensamento para um novo moralismo.2 Para
termos uma boa idéia de como o debate ainda é atual, em 1993 foi publicado o
livro Five Views on Law and Gospel,
da coleção Counterpoints, no qual cinco escritores evangélicos contemporâneos
expressam diferentes pontos de vista sobre a relação entre a lei e o evangelho
(graça).3 Sem sombra de dúvida, o assunto ainda está muito
longe de apresentar um consenso entre os evangélicos.
As implicações da forma como entendemos a relação entre lei e graça vão
muito além do aspecto puramente intelectual. Esse entendimento vai, na verdade,
determinar toda a forma como alguém enxerga a vida cristã e que tipo de ética
esse cristão irá assumir em sua caminhada. John Hesselink, um estudioso sobre a
relação entre lei e graça, exemplifica que, na década de 1960, os cristãos
proponentes da ética situacionista se levantaram contra leis, regras e
princípios gerais, propondo uma nova moralidade.4 Esse
movimento propõe que a ética das Escrituras não é absoluta, mas depende do
contexto. Nem mesmo a lei moral de Deus é absoluta; ela depende da situação.
Essa proposta surgiu e se desenvolveu dentro do cristianismo tradicional,
alcançando seguidores de todas as bandeiras denominacionais, praticamente sem
restrições. A lei não tem mais qualquer papel determinante na ética cristã; o
que determina a ética cristã é o “princípio do amor,” conclui o movimento. A
conseqüência dessa conclusão é que a graça suplanta a lei. As decisões éticas
devem ser tomadas levando em consideração o princípio do amor. Tome-se por
exemplo a questão do aborto no caso de estupro. Aprová-lo nessas circunstâncias
é um ato de amor baseado no princípio do amor à mãe que foi estuprada. Ou mesmo
a questão da pena de morte. Ela não se encaixa no princípio do amor ao próximo
e, portanto, não pode ser uma prática cristã. Até mesmo situações como o
divórcio passam a ser aceitáveis pelo princípio do amor. A separação de casais
passa a ser aceitável pelo mesmo princípio. O mesmo acontece com o
homossexualismo. Aceitar o homossexualismo passa a ser um ato de amor, e
portanto, essa prática não pode ser considerada como pecado, ou, se assim
considerada, é um pecado aceitável.
Mas seria essa a verdadeira conclusão do cristianismo e o verdadeiro
ensino das Escrituras sobre a lei? É isso que o estudo das Escrituras e o
cristianismo histórico nos ensinam? Nas páginas a seguir avaliaremos o
pensamento de Calvino a respeito dessa questão e a aplicação calvinista
refletida na Confissão de Fé de
Westminster (CFW).
II. O Uso da Lei
Para entendermos bem o uso da lei precisamos entender o que são o pacto
das obras e o pacto da graça. Assim, é prudente começarmos por esclarecer o que
são esses pactos e qual o conceito de lei que está envolvido na questão.
Pacto das Obras e Pacto da Graça5 é
a terminologia usada pela Confissão de Fé
de Westminster6 para explicar a forma de relacionamento
adotada por Deus para com as suas criaturas, os seres humanos. Mais do que
isso, essa terminologia reflete o sistema teológico adotado pelos reformados,
conhecido como teologia federal.7 De forma bem resumida,
podemos dizer que o pacto das obras é o pacto operante antes da queda e do
pecado. Adão e Eva viveram originalmente debaixo desse pacto e sua vida
dependia da sua obediência à lei dada por Deus de forma direta em Gênesis 2.17
— não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal.8 Adão e
Eva descumpriram a sua obrigação, desobedeceram a lei e incorreram na maldição
do pacto das obras, a morte.
O pacto da graça é a manifestação graciosa e misericordiosa de Deus,
aplicando a maldição do pacto das obras à pessoa de seu Filho, Jesus Cristo,
fazendo com que parte da sua criação, primeiramente representada em Adão, e
agora representada por Cristo, pudesse ser redimida. Porém, a lei antes da
queda não se resume à ordem de não comer do fruto da árvore do conhecimento do
bem e do mal. A lei não deve ser reduzida a um aspecto somente. Existem outras
leis, implícitas e explícitas, no texto bíblico. Por exemplo, a descrição das
bênçãos em Gênesis 1.28 aparece nos imperativos sede fecundos, multiplicai-vos,
enchei a terra e dominai. Esses imperativos foram ordens claras do Criador a
Adão e sua esposa e, por conseguinte, eram leis. O relacionamento de Adão com o
Criador estava vinculado à obediência, a qual ele era capaz de exercer e assim
cumprir o papel para o qual fora criado. No entanto, o relacionamento de Adão
com Deus não se limitava à obediência. Esse relacionamento, acompanhado de
obediência, deveria expandir-se de maneira que nele o Deus criador fosse
glorificado e o ser humano pudesse ter plena alegria em servi-lo. A Confissão de Fé nos fala da lei de Deus
gravada no coração do homem (CFW 4.2). Essa lei gravada no coração do ser
humano reflete o tipo de intimidade reservada por Deus para as suas criaturas.
Nesse contexto podemos perceber que a lei tinha um papel orientador para
o ser humano. Para que o seu relacionamento com o Criador se mantivesse, o
homem deveria ser obediente e assim cumprir o seu papel. A obediência estava
associada à manutenção da bênção pactual. A não obediência estava associada à
retirada da bênção e à aplicação da maldição. A lei, portanto, tinha uma função
orientadora. O ser humano, desde o princípio, conheceu os propósitos de Deus
através da lei. Tendo quebrado a lei, ele tornou-se réu da mesma e recebeu a
clara condenação proclamada pelo Criador: a morte.
O que acontece com essa lei depois da queda e da desobediência? Ela tem
o mesmo papel? Ela possui diferentes categorias? Por que Deus continuou a
revelar a sua lei ao ser humano caído?
III. De que Lei estamos Falando?
A revelação da lei de
Deus, como expressão objetiva da sua vontade, encontra-se registrada nas
Escrituras. Esse registro, que começou nos tempos de Moisés, fala-nos da lei
que Deus deu a Adão e também aos seus descendentes. Essa lei foi revelada ao
longo do tempo. Dependendo das circunstâncias e da ocasião em que foi dada, possui diferentes
aspectos, qualidades ou áreas sobre as quais legisla. Assim, é importante
observar o contexto em que cada lei é dada, a quem é dada e qual o seu objetivo
manifesto. Só assim poderemos saber a que estamos nos referindo quando falamos
de Lei.
A Confissão de Fé, no capítulo
18, divide esses aspectos em lei moral, civil e cerimonial. Cada uma tem um
papel e um tempo para sua aplicação:
(a) Lei Civil ou Judicial – representa a legislação dada à sociedade israelita ou à nação de
Israel; por exemplo, define os crimes contra a propriedade e suas respectivas
punições.
(b) Lei Religiosa ou Cerimonial – representa a legislação levítica do Velho Testamento; por exemplo,
prescreve os sacrifícios e todo o simbolismo cerimonial.
(c) Lei Moral –
representa a vontade de Deus para o ser humano, no que diz respeito ao seu
comportamento e aos seus principais deveres.
A. Toda a Lei é aplicável aos nossos dias?
Quanto à aplicação da Lei, devemos exercitar a seguinte compreensão:
(a) A Lei Civil -Tinha
a finalidade de regular a sociedade civil do estado teocrático de Israel. Como tal, não é aplicável normativamente em
nossa sociedade. Há os que erram ao
querer aplicar parte dela, sendo incoerentes, pois não conseguem aplicá-la, nem
impingi-la, em sua totalidade.
(b) A Lei Religiosa -Tinha
a finalidade de imprimir nos homens a santidade de Deus e apontar para o
Messias, Cristo, fora do qual não há esperança. Como tal, foi cumprida com sua vinda. Há os que erram ao querer
aplicar parte da mesma nos dias de hoje e ao mesclá-la com a Lei Civil.
(c) A Lei Moral -Tem
a finalidade de deixar bem claro ao homem os seus deveres, revelando suas
carências e auxiliando-o a discernir entre o bem e o mal. Como tal, é aplicável em todas as épocas e ocasiões.Há os que acertam ao considerá-la válida, porém erram ao
confundi-la e ao mesclá-la com as outras
duas, prescrevendo um aplicação confusa e desconexa.9
Assim sendo, é fundamental que, ao ler o texto bíblico, saibamos
identificar a que tipo de lei o texto se refere e conhecer, então, a
aplicabilidade dessa lei ao nosso contexto. As leis civis e cerimoniais de
Israel não têm um caráter normativo para o povo de Deus em nossos dias,
ainda que possam ter outra função como, por exemplo, ensinar-nos princípios
gerais sobre a justiça de Deus. Portanto, a lei que permanece “vigente” em
nossa e em todas as épocas é a lei moral de Deus. Ela valeu para Adão assim
como vale para nós hoje. Isto implica que estamos, hoje, debaixo da lei?
B. Estamos sob a Lei ou sob a Graça de Deus?
Muitas interpretações erradas podem resultar de um entendimento falho
das declarações bíblicas de que “não estamos debaixo da lei, e sim da graça”
(Romanos 6.14). Se considerarmos que os três aspectos da lei de Deus
apresentados acima são distinções bíblicas, podemos afirmar:
(a) Não estamos sob a Lei Civil de Israel, mas sob o período da graça de Deus, em que
o evangelho atinge todos os povos, raças, tribos e nações.
(b) Não estamos sob a Lei Religiosa de Israel, que apontava para o Messias, foi cumprida
em Cristo, e não nos prende sob nenhuma de suas ordenanças cerimoniais, uma vez
que estamos sob a graça do evangelho de Cristo, com acesso direto ao trono,
pelo seu Santo Espírito, sem a intermediação dos sacerdotes.
(c) Não estamos sob a condenação da Lei Moral de Deus, se fomos resgatados pelo seu sangue, e nos
achamos cobertos por sua graça. Não estamos, portanto, sob a lei, mas sob a
graça de Deus, nesses sentidos.
Entretanto...
(a) Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela continua representando a soma de nossos deveres
e obrigações para com Deus e para com o nosso semelhante.
(b) Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela, resumida nos Dez Mandamentos, representa o
caminho traçado por Deus no processo de santificação
efetivado pelo Espírito Santo em nossa pessoa (João 14.15). Nos dois últimos
aspectos, a própria Lei Moral de Deus é uma expressão de sua graça,
representando a revelação objetiva e proposicional de sua vontade.
Ev. Carlos Borges (CABB)
Nenhum comentário:
Postar um comentário