Bem-aventurados os que guardam as suas prescrições e o buscam de todo o
coração; não praticam iniqüidade e andam nos seus caminhos.
Tu ordenaste os teus mandamentos, para que os cumpramos à risca.
Tomara sejam firmes os meus passos, para que eu observe os teus
preceitos.
Então, não terei de que me envergonhar, quando considerar em todos os
teus mandamentos.
Render-te-ei graças com integridade de coração, quando tiver aprendido
os teus retos juízos.
Cumprirei os teus decretos; não me desampares jamais.
De que maneira poderá o jovem guardar puro o seu caminho? Observando-o
segundo a tua palavra.
De todo o coração te busquei; não me deixes fugir aos teus mandamentos.
Guardo no coração as tuas palavras, para não pecar contra ti.
Bendito és tu, SENHOR; ensina-me os teus preceitos.
Com os lábios tenho narrado todos os juízos da tua boca.
Mais me regozijo com o caminho dos teus testemunhos do que com todas as riquezas.
Meditarei nos teus preceitos e às tuas veredas terei respeito.
Terei prazer nos teus decretos; não me esquecerei da tua palavra.
Sê generoso para com o teu servo, para que eu viva e observe a tua
palavra.
Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei.
Sou peregrino na terra; não escondas de mim os teus mandamentos.
Consumida está a minha alma por desejar, incessantemente, os teus
juízos.
De onde vem esse desejo do salmista pelos
juízos de Deus? Da lei que opera sobre o homem natural? Certamente que não. Mas
para o homem regenerado a lei de Deus se torna objeto de desejo da alma. A lei
é maravilhosa para aquele que tem os olhos abertos pelo Senhor. Amar a lei de
Deus é ensino claro das Escrituras para os regenerados. Viver na lei de Deus é
bênção para o cristão, para o salvo. Ela é o nosso orientador para melhor
conhecermos a vontade do nosso Senhor e assim melhor servi-lo. Observe que o
viver segundo a lei de Deus é considerado uma bem-aventurança, é como ter fome
e sede de justiça.
Pergunto: O que seria do cristão sem a lei para orientá-lo? Como
conheceria ele a vontade de Deus? (essa, aliás, é uma das perguntas mais
freqüentes entre os crentes no seu dia-a-dia). Ele seria um perdido, buscando
respostas em seu próprio coração, na igreja, no consenso eclesiástico, na
autoridade de alguém que considerasse superior. Mas o crente tem a lei de Deus,
expressando objetivamente qual é o desejo do Criador para a criatura, qual o
desejo do Pai para seus filhos.
Mas essa visão da lei não nos traz de volta ao legalismo? Estamos então
novamente debaixo da lei? Certamente que não. Para bem entendermos a posição
bíblica expressa por Calvino sobre a lei no pacto da graça, precisamos entender
também como ele relaciona Cristo e a Lei.
V. Cristo e a Lei
Precisamos entender que Cristo satisfez e cumpriu a lei de forma plena e
completa. Ele não veio revogar a lei. Façamos uma breve análise de Mateus
5.17-19:
Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar,
vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem,
nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra. Aquele, pois,
que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos
homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os
observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus.
Alguns pontos interessantes são demonstrados
por Jesus nessa passagem:
(a) Ele veio cumprir a lei e não revogá-la.
(b) A lei seria cumprida totalmente, em todas as suas exigências e em
todas as suas modalidades (moral, cerimonial e civil) enquanto houvesse sentido
em fazê-lo.
(c) Aquele que viola a lei pode chegar ao Reino dos Céus! (“aquele que
violar...será considerado mínimo no reino dos céus.”) O sermão do monte é um
sermão para crentes e o texto pode ser entendido dessa forma.
(d) Aquele que cumpre a lei será considerado grande no Reino dos Céus.
Como entender essas conclusões de Jesus com
respeito a si mesmo e à Lei?
(a) Ele veio cumprir a lei e de fato a cumpriu em todas as suas
dimensões: cerimonial, civil e moral. Não houve qualquer aspecto da lei para o
qual Cristo não pudesse atentar e cumprir. Cristo cumpriu a lei de forma
perfeita, sendo obediente até a própria morte. Ele tomou sobre si a maldição da
lei. Ele se torna o fundamento da justificação para o eleito.
(b) Ele não só cumpriu a lei perfeitamente, mas também interpretou a lei
de forma perfeita, permitindo aos que comprou na cruz, entendê-la de forma mais
completa, mais abrangente.
(c) Os que nele crêem agora também podem cumprir os aspectos necessários
da lei para uma vida santa. No entanto, esses que por ele são salvos não são
mais dependentes da lei para a sua salvação. Por isso há uma diferença clara
entre os que chegam ao Reino dos
Céus: alguns serão considerados maiores do que outros.
(d) Cristo, ao cumprir a lei, ab-roga a maldição da lei, mas não a sua
magisterialidade.19 A lei continua com o seu papel de ensinar
ao ser humano a vontade de Deus. A ab-rogação da maldição da lei é aquilo a que
Paulo se refere em textos como Rm 6.14 e Gl 2.16 — estamos debaixo da graça! A
lei continua no seu papel de nos ensinar,
pela obra do Espírito Santo. Não somos mais condenados pela lei nem servos da mesma. A lei, por expressar a
vontade de Deus, se nos torna
um prazer.
Johnson resume o material sobre Cristo e a lei no pensamento de Calvino
da seguinte forma:
O ponto principal, claro, é que Cristo cumpriu a lei em todos os
aspectos, seja no vivê-la, no submeter-se à maldição da lei para satisfazer a
sua exigência de punição dos transgressores, ou restabelecendo sobre outras
bases a possibilidade de cumprir aquilo que a lei requer. Cristo, em outras
palavras, satisfez tudo o que a lei exigiu ou pode vir a exigir da humanidade.
A justificação que estava associada à lei agora pertence completamente a
Cristo.20
Portanto, nossa obediência à lei não acontece e não pode acontecer sem
Cristo. Tentar viver debaixo da lei, sem Cristo, é submeter-se à escravidão.
Porém, obedecer à lei com Cristo é prazer e vida. Também, nesse sentido, Cristo
é o fim da lei!
Conclusão
Como fica o aparente paradoxo inicial entre a Lei e Graça? Como corrigir
essa visão distorcida? Mais uma vez creio que a visão correta da Confissão de Fé pode nos ajudar a
entendê-lo:
Este pacto da graça é freqüentemente apresentado nas Escrituras pelo
nome de Testamento, em referência à morte de Cristo, o testador, e à perdurável
herança, com tudo o que lhe pertence, legada neste pacto.
Este pacto no tempo da lei não foi administrado como no tempo do
Evangelho. Sob a lei foi administrado por promessas, profecias, sacrifícios,
pela circuncisão, pelo cordeiro pascoal e outros tipos e ordenanças dadas ao
povo judeu, prefigurando, tudo, Cristo que
havia de vir; por aquele tempo essas coisas, pela operação do Espírito Santo,
foram suficientes e eficazes para instruir e edificar os eleitos na fé do
Messias prometido, por quem tinham plena remissão dos pecados e a vida eterna:
essa dispensação chama-se o Velho Testamento.
Sob o Evangelho, quando foi manifestado Cristo, a substância, as
ordenanças pelas quais este pacto é dispensado são a pregação da palavra e a
administração dos sacramentos do batismo e da ceia do Senhor; por estas
ordenanças, posto que poucas em número e administradas com maior simplicidade e
menor glória externa, o pacto é manifestado com maior plenitude, evidência e
eficácia espiritual, a todas as nações, aos judeus bem como aos gentios. É
chamado o Novo Testamento. Não há, pois, dois pactos de graça diferentes em
substância mas um e o mesmo sob várias dispensações (CFW 7.4–6).
Portanto, ao relacionarmos lei e graça devemos nos lembrar dos diversos
aspectos e nuanças que estão envolvidos nesses termos.
Primeiramente, encontramos tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, a
graça de Deus. Ele não reserva a sua graça somente para o período do Novo
Testamento como muitos pensam. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento
podemos ver Deus agindo graciosamente, salvando aqueles que crêem na promessa
do Redentor. Assim Abel, Enoque, Noé, Abraão e todos os santos do Antigo
Testamento foram remidos. Nenhum deles foi salvo por obediência à Lei, ainda
que o Senhor requeresse deles, assim como requer de nós, que sejamos
obedientes.
Em segundo lugar, a lei opera para vida ou morte no pacto das obras e
somente para a morte no pacto da graça. No pacto das obras, por mérito, o homem
poderia continuar vivo e merecer a “árvore da vida.” Portanto, pela obediência
o homem viveria. No pacto da graça a lei opera para condenação do homem caído.
Porque o homem já está condenado, ele não pode mais cumprir a lei e ela lhe
serve para a morte.
último, o crente se beneficia da lei estando debaixo da obra
redentora de Cristo. O mérito de Cristo, sendo obediente à lei até as últimas
conseqüências, compra-nos o benefício da salvação e a graça de conhecermos a
vontade de Deus pela sua lei. O único modo de o ser humano ser salvo é submeter-se
totalmente àquele que, por mérito, compra-lhe a salvação. Ainda aqui o homem é
beneficiado pela Lei. Cristo a cumpre e declara justificado aquele por quem ele
morre.
Portanto, o nosso gráfico do início deveria ser modificado para refletir
a verdade bíblica sobre a Lei e a Graça de Deus:
Disp. do Antigo Testamento
------------------ Disp. do Novo
Testamento
|
|
Obras
|
Graça – obras como fruto da fé
|
Lei
|
Evangelho – obediência à lei como conseqüência
|
Lei –justifica na
obediência |
Lei – condena o não eleito
Usus Theologicus |
“Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e
aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me
manifestarei a ele” (João 14.21).
Ev. Carlos Borges(CABB)
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